• Enquanto existir amor
  • Enquanto existir amor


    Se você está comigo por causa do imenso pavor que tem de ficar sozinha, deixe-me, imediatamente. Antes que seja demasiadamente tarde para que você consiga aprender a ser a sua melhor companhia (comportamento que deveria ser ensinado nas escolas, mesmo não caindo em vestibulares). E não precisa perder o seu tempo marcando um jantar para me avisar que está de saída, baby; um SMS sucinto já basta, de verdade. Ou mesmo um Post-it objetivo e sincero colado à porta da minha geladeira: “Parti porque preciso aprender a ficar só. Tchau!”.

    Se você está comigo porque não tem coragem de se desapegar da previsibilidade da rotina que construímos e devido ao medo que possui de recomeçar do zero – ou de um “Sim!” que provavelmente dirá ao primeiro quase estranho encantador que lhe convidar para um jantar -, deixe-me, já. Não estou brincando! E, no próximo Natal, quando uma de suas muitas tias enxeridas e sem tato perguntar “Cadê ele?”, referindo-se a mim e à minha ausência atípica, não invente que peguei Dengue ou que fui a Bangladesh, a trabalho; fale a verdade, simplesmente. Diga: “Não estamos mais juntos. Pedi a conta, disse ‘Cuide-se’ e saí. Percebi que não o amava mais e que só permanecia ao lado dele porque aquela zona de conforto, apesar de brutalmente monótona e inóspita a borboletas estomacais, parecia-me segura. Grandessíssima ilusão, tia!”.

    Se você está comigo apenas porque sabe que não suportará o ciúme que sentirá ao me flagrar – em uma atualização do Facebook ou na fila de uma comédia romântica qualquer – contente dentro de outros abraços, deixe-me, pra ontem. Não é pegadinha do Sérgio Malandro, meu bem. Falo seríssimo, pois, honestamente, preciso de alguém cuja vontade de me ter por completo supere, em quilômetros, o possessivo “Não quero que ele seja de mais ninguém, nunca mais!”. Esteja comigo por me amar e por comigo querer ficar, não porque sente vontade de cometer um assassinato só de pensar em outra mulher babando em meu ombro dentro de um avião entregue às turbulências. Fui claro?

    Se você está comigo só por causa do que há em minha conta do banco, pelo champanhe que lhe ofereço em taças de cristal e pelos pingentes de pulseira que lhe dou em datas não comerciais, deixe-me, agora, antes que as minhas ações comecem a cair e que a inflação suba ainda mais. Por quê? Preciso mesmo lhe explicar? Ok! Porque meus valores, obviamente, são bem diferentes dos seus. Incompatíveis, eu diria. E não me refiro àqueles que temos dentro da carteira. Claro que não. Falo de valores que, de tão importantes pra mim, deixam o dólar no chinelo, valendo muito menos do que um cruzeiro enferrujado. Ah, e se você ainda não me deixou por medo de ficar sem nada, deixo-lhe, de pensão, uma valiosa pergunta: fingir amor por causa de brilho material é, de fato, alguma coisa?

    Porém, se você está comigo por amor, pelo sentimento que amo lhe dar e receber dos seus olhares, por favor, fique. Fique à vontade, sobre meu colo ou sob a minha bermuda, tanto faz. Mas fique sem medo, com a absoluta certeza de que, se por amor você continuar aqui, trançada a minhas pernas e costurada à minha vontade de ser seu mais fiel amigo, terá à disposição, 24 horas por dia e 7 dias por semana, a mais nobre parte do meu coração. E uma chuva de cafunés, desses que resistem, bravamente, a câimbras nos dedos. E que superam o potencial relaxante da Maracugina.

    Se por amor – e principalmente por ele! – deitada sobre o meu peito você resolver permanecer, a fim de me acompanhar na difícil missão de dar significado a nuvens que dançam no compasso do vento, eu prometo lhe dar – além de tapas geradores tesão, o controle da minha televisão e todos os acompanhamentos dos meus cafés – muitos motivos para que você decida ficar comigo. Até o dia, infelizmente possível, em que o nosso amor, em vez de combustível a madrugadas ofegantes e razão para abrirmos mão de tentações passageiras, tristemente se tornará em uma ilusão na qual teimaremos em acreditar – e que tentaremos, em vão, tornar realidade – por medo de aceitar a necessidade de um novo desapego ou de um “Não deu certo” dito à amiga que perguntará de mim, de nós. À amiga que lhe perguntará, entre chopes e idas cada vez mais constantes ao fumódromo, do que hoje somos e que, amanhã, graças a variáveis complexas ou meras impaciências, poderemos deixar de ser. C’est la vie.

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