• Viaja comigo?
  • Viaja comigo?


    Quando publico um livro eu desejo, basicamente, duas coisas: proporcionar uma experiência enriquecedora e emocionante aos meus leitores e ganhar dinheiro.

    O que foi? Esperava que eu não revelasse o meu desejo de ganhar grana?

    Escrever, além de um passatempo extremamente prazeroso, também é meu ganha-pão, ué. E as contas não param de chegar por aqui. Além disso, a coisa que eu mais gosto de fazer nesta vida, que é viajar, não é gratuita. Pelo contrário: muitas vezes exige dólares, libras e outras moedas que têm feito o real se sentir o milho do cocô do cavalo do bandido.

    Não culpo quem quer ganhar dinheiro para comprar roupas de grife, carros pra lá de potentes e celulares de última geração, afinal, cada um faz o que quer com o dinheiro que tem, não é mesmo? Eu, porém, possuo um anseio bem diferente: pretendo investir o lucro dos meus livros e projetos em viagens, pra tudo quanto é canto.

    “Tem certeza de que vai gastar oito mil reais em uma viagem de dez dias? Com esse dinheiro você pode dar entrada em um carro, por exemplo”, um amigo me disse no fim do ano retrasado, quando eu estava a menos de dois meses de uma viagem para Espanha e Portugal. E quer saber? Ainda bem que não dei ouvidos ao meu camarada, pois foi um dos melhores investimentos que fiz nesta vida, sem exagero.

    Muitos acham que viajar não é investimento. Eu discordo, com todas as minhas forças. Investimento, em minha opinião, não se resume apenas àquilo que tem potencial para gerar rendimento financeiro, como é o caso da compra de ações na Bolsa de Valores, aplicação de capital em poupança, aquisição de uma franquia etc. Investimento, pra mim, é tudo aquilo que, de alguma forma, possui capacidade de nos tornar pessoas mais ricas, seja financeiramente, seja culturalmente, seja… Riqueza vai muito além do que há no banco, viu?

    Viajar é um baita investimento, sem dúvida. Baita a ponto de ser imensurável, principalmente se você está verdadeiramente disposto a absorver o máximo que o ambiente novo tem a oferecer, acrescentar, turbinar, mexer, petrificar, incentivar, arrepiar, questionar… Quando fui a Londres, por exemplo, descobri que algumas pessoas aceitam as diferenças (das relacionadas à orientação sexual às ligadas à moda) de maneira bem menos preconceituosa e enxerida do que costumo flagrar por aqui, no Brasil. Em um grupo de dez pessoas, só eu fazia cara de espanto e comentários idiotas ao notar que as moças de lá usam shorts que deixam a “polpinha” da bunda à mostra. O resto do grupo (formado por ingleses, australianos, suecos, alemães e escoceses) parecia nem ligar. Passar por isso, e me sentir o bobalhão da turma globalizada, enriqueceu-me mais do que qualquer ação da Petrobrás em que já apostei minhas poucas fichas, com certeza. Fez com eu começasse a questionar a forma ofensiva que alguns brasileiros lidam com as diferenças e com a escolha particular – seja lá qual for – do outro. Não estou dizendo que todos os brasileiros reagem mal às diferenças e que todos os gringos dão show de respeito quando estão diante de um short curto, nada disso. Não seria inconsequente o bastante para afirmar algo do tipo baseado somente em uma amostra tão pequena. O ponto em que desejo chegar é: viajar me apresentou a ângulos que me tornaram uma pessoa mais rica e, consequentemente, mais enriquecedora. Vou além: viajar colocou em xeque muitas das “verdades” que considerava absolutas e inabaláveis porque eu só havia sido exposto a elas. Viajar fez com que eu compreendesse o quando eu sou parte miúda em comparação ao tanto que há a ser descoberto e desfrutado com mente aberta e disposição para admitir: existe um jeito melhor, mais humano, mais inteligente, mais… Rico!

    E se engana quem pensa que só vejo potencial enriquecedor em viagens internacionais: muitas das riquezas que carrego em meu coração foram adquiridas em visitas a pequeninas cidades Minas Gerais, por exemplo; nas quais recorrentes e irrecusáveis convites para entrar um “pouquin”, tomar um “cafezin” e comer um “bolin” me fizeram entender o significado mais acolhedor e memorável da palavra “hospitalidade”. E ficar mais “gordin”, óbvio.

    Mais um motivo pelo qual eu pretendo investir a maior parte da minha grana em viagens? Viajar faz com que eu reencontre a criança que a rotina robótica da megalópole – com placas de pare e conselhos sérios – me obriga a deixar de lado, de castigo num canto escondido da alma, fora da sala de reunião. Nas viagens que faço, sinto-me, novamente, um moleque de cinco anos dando os primeiros passos no universo, provando o primeiro picolé, correndo em direção a um aroma doce que nem sei do que é. Tudo – até mesmo um tropeço que no dia a dia geraria, no máximo, um xingamento em voz alta – me parece motivo para euforia, estrela e bananeira; das novidades do supermercado ao colchão quilométrico do hotel, tudo na viagem me parece estopim para festança, foto, tim-tim e riso franco. Enquanto caminho sobre o desconhecido, volto a ser menino saltitante, leve como pipa, sem os pianos que carrego nas costas na vida real, sem o medão de falhar nas obrigações do mundo adulto que me persegue até mesmo quando estou dormindo. Criança que eu deveria ser mais vezes e, por preocupação e excesso de cobrança, muitas vezes censuro, coloco pra dormir. Criança de trinta anos que dá cambalhota na cama, bola planos mirabolantes para sujar o nariz da namorada de marshmallow e não sente vergonha quando dança – até o chão! – no meio da rua, na hora do rush. Criança que manda um “fuck you” pra poupança e, do nada, compra um chapéu, um panda de pelúcia, uma camiseta pra vestir quando a nostalgia bater… Criança desinibida que faz amigos por onde passa, e ri, sem parar, porque pediu – em portunhol – um Donut e recebeu um sanduíche de shitake.

    Ainda não está convencido de que vale a pena investir seu dinheiro em uma viagem? Pois saiba que viajar tem o poder de reaquecer seu relacionamento com coisas da sua casa que você, por contato diário, esquece-se de valorizar. Como assim? Simples: viaje por trinta dias e repare no quanto você dará valor ao seu banheiro no primeiro cocô pós-retorno. Preste atenção no quanto você ficará feliz ao reencontrar seu travesseiro, mesmo sabendo que ele não é tão macio quanto o travesseiro do hotel em que ficou. Atente-se à forma carinhosa que você vai segurar o controle da sua TV e ao que dirá (“Tô de volta, amigona”) à sua máquina de café.

    Por essas e outras que, para chamar a minha atenção, é só dizer “milhas aéreas” ou “passagem em promoção”.

    ass-ricardo


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