Num dia em que não a sentia latejar com a mesma intensidade de agora, acabei definindo a saudade assim, ó: é um desconforto gerado pela ausência de uma presença extremamente confortável. Hoje, porém, deslocada entre um relógio parado e o celular que não vibra (não pelo motivo que desejo), sei que a saudade é mais…
É voltar do supermercado com as sacolas repletas de coisas que ele ama – e que não faço a menor questão de consumir -, só para senti-lo mais perto a cada espiada na geladeira; apenas para ter na dispensa – e ao alcance das mãos -, alguns placebos, que tenho engolido para tentar me preencher com as sombras que ele deixou.
Não sei se voltará antes do vencimento do iogurte que ele escolhe pelo alto teor de proteínas, “Para ficar monstro!”, como costuma dizer estufando o peito. Não sei se retornará antes do apodrecimento das cerejas que ele come feito máquina, com caroço e tudo. Não sei nem se voltará. Mas não importa: coloquei tudo o que ele curte no carrinho, como se assim estivesse juntando os pedaços dele que não estão mais aqui. Aliás, onde é que estão?
Saudade é dar um jeito de colocá-lo no papo, em qualquer papo, sem medo de parecer irracional ou desesperada; em minha mais recente ida ao médico (um dos únicos doutores que atendem pelo convênio de merda que tenho), mesmo ciente de que não teria direito a muitas palavras antes de o carimbo tocar a receita e o próximo moribundo ser chamado, gastei meu precioso tempo dizendo: “Meu namorado… ou ex, sei lá… já fez esse exame uma vez, na Bahia. Estava com suspeita de virose. Ou dengue, eu não me recordo bem. Só sei que estava passando muito mal. Nem pôde ir ao casamento do irmão, o senhor acredita? E era um dos padrinhos!”. Sabendo do atendimento oi-tchau que receberia, se seguisse a razão, teria utilizado os preciosos segundos daquela consulta expressa para perguntar sobre necessidade de jejum, interferência do álcool no diagnóstico, riscos do meu quadro de evoluir para algo grave… Contudo, preferi tentar jogar um pouco de terra dentro do buraco que carrego pra lá e pra cá, optei por falar sem parar – feito cocainômano – sobre o que tem feito uma puta falta. Pois saudade é tentar, de todo jeito, transformar o oco em maciço, e, em muitos casos, descobrir que de nada adiantará se entupir de chocolate, cachaça e corrida na esteira. Porque a única coisa aparentemente capaz de esfaquear o vazio, infelizmente, pode não estar à disposição.
E sabe o mais louco disso tudo? Uma parte de mim é contrária a tudo aquilo que acabei de dizer sobre a vontade de aterrar a cratera da saudade: em vez de querer cobri-la, faz questão de aprofundá-la com textos como este. E de dar play em músicas que me remetem ao passado com ele. E de mergulhar em memórias que parecem impossíveis de serem recriadas com outro ou superadas. Por que essa parte maldita faz isso? Pois sabe que a esperança de tê-lo de novo morrerá se um dia a saudade bater as botas. E junto com esperança os tantos planos que um dia fizemos. Planos que não quero deixar pela metade. Planos que não quero refazer com outro. Planos que quero terminar por birra e incapacidade de aceitar que errei na aposta, que tenho pouquíssimo controle sobre a vida.
Eu não quero ter mais saudade. Porque é um vazio que pesa toneladas. A mais pesada das faltas. No entanto, eu também não quero ficar sem ela. Porque possuí-la, de alguma forma, é melhor do que não ter nada. É melhor do que perder as esperanças no futuro que, um dia, num quiosque do Guarujá e sob efeito de caipirinhas caprichadas, eu idealizei.
Pode me chamar de bipolar se quiser. Ou de louca. Ou de masoquista. Ou de fã de Legião Urbana. Eu não dou a mínima para o que você pensa. E seguirei ricocheteando entre a vontade de acabar com a saudade e o pavor de ficar sem ela. Seguirei ignorando minha terapeuta e os tantos blogs que tratam os sentimentos de maneira matemática, como se fosse fácil domá-los. Ao garçom, seguirei pedindo chorinho para afogar a saudade e, também, para regá-la.
E não toque em minha saudade, ouviu?