• As pessoas só precisam de  um motivo pra se livrar da solidão
  • As pessoas só precisam de


    um motivo pra se livrar da solidão


    Fiz uma tatuagem enorme e colorida. Não foi exatamente uma decisão: eu precisava cobrir uma âncora feia e torta que deixei que uma amadora fizesse no meu braço (sim, estou fazendo estágio pra louca).

    No primeiro dia em que saí na rua, com um gatinho e um rosto colorido tatuados no braço, contei umas dez pessoas – garanto que não estou exagerando, estou até arredondando para baixo – que me pararam para dizer que o desenho era maravilhoso ou que era grande demais ou que eu deveria ter escolhido outro lugar para tatuá-lo.

    Sentei-me no café da livraria, com um livro que eu devoraria ali mesmo, naquela tarde, e enquanto eu pensava que realmente não sei disfarçar minhas expressões quando mergulho numa leitura, duas senhoras pararam em frente à minha mesa:

    – Que tatuagem maravilhosa – disse uma – eu adoraria fazer uma tatuagem, mas não tenho coragem. Isso deve doer muito, não é mesmo?

    – Meu filho tem várias – completou a outra – meu filho Jefferson, ele é músico.

    E comecei, então, uma conversa de comadres com aquelas duas senhoras que eu nunca vira antes e provavelmente jamais voltaria a ver. Elas foram elegantes ao ponto de não sentarem-se (e eu fui deselegante ao ponto de não convidá-las para sentar, porque eu realmente queria terminar a minha leitura), mas permaneceram por alguns minutos falando de seus filhos e dos desenhos que gostariam de ter tatuado.

    E foi assim o dia inteiro. Eu carregava no braço um motivo grande e colorido para que os outros puxassem assunto, e tenho a impressão de que era apenas disso que cada uma daquelas pessoas precisava: um motivo, colorido ou não, para saírem de suas respectivas solidões e colocarem-se em contato com o mundo.

    Pensei no vizinho que sempre comenta sobre algum filme que lançou na Netflix quando me vê sentada no play, no homem que sempre me vende cigarros num boteco perto de casa e, vez ou outra, tenta puxar assunto, na minha antiga vizinha de porta que me fazia perguntas estranhas para quebrar silêncios, para mim, confortáveis, e naquelas duas senhorinhas que, afinal, só queriam alguém com quem falar sobre tatuagens.

    Pensei, sobretudo, na solidão da cidade grande e no quão difícil é livrar-se dela, no quão difícil é prestar um pouco de atenção nas pessoas a nossa volta quando estamos com nossas caras enfiadas em nossos livros ou smartphones, e no quanto o mundo realmente seria um lugar melhor se estabelecêssemos contatos reais com o outro: se sorríssemos para quem senta ao nosso lado no transporte público, convidássemos duas velhinhas desconhecidas para sentarem-se conosco ou ouvíssemos a história daquela mulher em situação de rua que nos para pra pedir um trocado.

    No fundo, todo mundo quer compreender e ser compreendido. Nós só esperamos uma oportunidade.

    ass-nathalie


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "