Nossos servos humanos de fato não fazem ideia do que estão fazendo. Não sabem, em primeiro lugar, que nós não somos obrigados a comer ração seca todos os dias e que nem sempre nossas barrigas estão disponíveis para carinhos.
Respeitar o espaço dos outros, na verdade, não é muito o forte da humanidade. Por isso eles se consomem com discussões ideológicas inúteis – não bastassem as discussões presenciais, criaram algo que chamam de “redes sociais”, uma máquina que os conecta a outros seres humanos para mais discussões ideológicas inúteis.
Enquanto isso, nós dormimos. E comemos os sachês que eles compram. Cada um tem a realidade que merece, não é mesmo?
O pior é que essas discussões não costumam leva-los a lugar algum: como já desaprenderam a ouvir, pouco evoluem. Seguem girando em torno de si mesmos.
Girar em torno de si mesmo, na verdade, é a especialidade da humanidade. Chamam isso de “ego”. E o tal ego, pelo visto, é bem grande.
Eles agem, por exemplo, como se fossem os donos do planeta: sujam as praias, entopem o ar de uma fumaça tóxica que vai direto para os seus próprios pulmões e jogam lixo nos rios e bueiros como se esse lixo nunca fosse voltar pra eles (quando volta e acontecem catástrofes urbanas, os humanos fazem o que sabem fazer de melhor: reclamam).
Aliás, como essa gente conseguiu burlar a seleção natural?
Entenda, portanto, que qualquer coisa que você faça ferirá o ego do seu humano (não que você deva se importar com isso, é claro).
Ele se recusa a aceitar que você, felino dono de si, tem o direito de não ir pra a cama quando ele chama e de dar uma fugidinha se a porta estiver aberta (eles pensam mesmo que nos mantém prisioneiros e nem sonham que na verdade só não vamos embora porque viver com eles é mais ou menos confortável).
Tente então não ferir o ego do seu humano de um modo muito grave, para o seu próprio bem. Humanos são capazes de maldades inacreditáveis, apesar de nós, gatos, frequentemente levarmos a fama. Eles têm centenas de guerras sangrentas no currículo. Eles não precisam matar para comerem, mas eventualmente matam por diversão. Eles são tão terríveis que, por vezes, se surpreendem com a nossa lealdade.
Uma vez a minha humana achou incrível eu ter adotado como minha filha uma gata filhote que ela trouxe a tiracolo – sem nem avisar, porque eles são assim. E o que mais eu poderia fazer? Deixar à míngua uma bebezinha louca que não sabe nem limpar a bunda?
Do alto da minha famigerada insensibilidade felina, eu, na verdade, só sei amar. Até mesmo, vejam só, aos humanos. Eles traem, abandonam, destroem o planeta e promovem guerras, e nós é que não somos afetuosos.
Senta lá, humano.