Se relacionar exige que aprendamos a aceitar diferenças – de comportamento, gosto, vontade etc. – que, a nós, muitas vezes, parecem absurdas.

No jantar de ontem, por dificuldade de aceitar uma dessemelhança de paladar – ou hábito? -, eu perdi quase cinco minutos tentando convencer minha namorada a colocar azeite sobre a salada. Usei todos os argumentos possíveis, acredite; falei dos benefícios da gordura monoinsaturada, do bem que esse tipo de óleo faz ao cabelo, da comprovada ajuda que ele dá na diminuição do déficit cognitivo… E nada, nadinha, as folhas do prato dela continuaram sequinhas da Silva até o instante em que foram abocanhadas. E eu, por este motivo besta, fiquei incomodado. “Se eu considero o azeite o tchan da salada, o elemento com potencial para tornar tudo mais palatável, por que ela não o usa? Como pode não amá-lo incondicionalmente como eu? Será que estou namorando uma extraterrestre?”, ecoava em minha cabeça enquanto ela repetia “Não gosto!”. Fiz as perguntas erradas, hoje sei. Na real, se em vez de questionamentos e tentativas de persuasão eu tivesse simplesmente aceitado o fato (ela não gosta de azeite na salada) que ficou claro graças à primeira resposta que ela me deu, tudo teria sido mais leve e mais proveitoso. Porém…

Temos (você também tem, admita!) a péssima mania de achar que todos devem enxergar/sentir/entender o mundo da mesma maneira que nós, o que é absurdo. Cada ser possui uma impressão digital, uma bagagem única, que é fruto, entre outras coisas, da forma como ele se relacionou com o mundo até o dia de hoje; isto é: reflexo dos filmes aos quais ele foi apresentado, pessoas com quem conversou, família na qual foi criado, escola em que estudou, lugares que visitou, traumas que precisou enfrentar… Compreende o bocado de variáveis que nos moldam? E certas coisas – como o hábito de colocar o azeite na salada -, por mais óbvias e insubstituíveis que possam parecer a nós – graças ao repertório que adquirimos até aqui -, para aqueles com quem nos relacionamos, podem parecer bizarríssimas, acredite, e muito difíceis de serem incorporadas àquilo que já são. O que me leva à seguinte conclusão: é muito difícil – e às vezes até doloroso, para ambas as partes – tentar fazer com que o outro enxergue o mundo exatamente como nós.

É óbvio que a convivência fará com que você pegue um pouco da visão dele – e vice-versa -, contudo, mesmo depois de muito embola-embola e misturas tagarelas à mesa de jantar, certas coisas não mudarão, nem se você insistir e argumentar embasada por pesquisas feitas pela renomada universidade de Harvard. Saca? E pior: tentar mudá-las a fórceps, desprezando as particularidades que hoje existem por causa dos muitos anos que ele passou absorvendo o universo, ainda tende a causar desgaste na relação e no humor. Porque insistir para que o parceiro seja exatamente como nós, mesmo que em coisas simples – como a forma de temperar a salada -, é uma das muitas atitudes que agridem a liberdade e individualidade dele. Percebe? No caso do azeite, parece uma poda miúda, eu sei, mas pense no quão amputador – e sufocante – pode ser exigir que alguém goste dos mesmos programas que nós, por exemplo. E por aí vai…

Relações podem ser inviabilizadas por certas diferenças (ele só goza dando choque em mamilos e você, por medo de choque, não troca nem lâmpada), não vou negar, no entanto, na maioria dos casos, o simples ato de aceitar o outro como ele é já basta para permitir que um laço aconteça. E se alguma característica do outro é insuportável a você, em vez de tentar mudá-lo insistentemente e à força – coisa que, na maioria dos casos, só gerará desgaste -, recomendo que se pergunte: com tantas opções dando match por aí, vale a pena continuar insistindo nessa relação? Afinal, a menos que você o tenha colhido na maternidade (o que seria bem estranho, no mínimo) você já o pegou formado, prontinho, cheio de tiques, jeitinhos e defeitos que, com o tempo, tendem a ficar ainda mais gritantes, não duvide.

Sem contar a tal vaidade, né? Que se sente ferida quando não conseguimos, nem depois de muito blábláblá, fazer com que o outro aceite o nosso ponto e, consequentemente, passe a agir da forma como esperamos, a mesma que a nós parece a mais inteligente e indubitável do planeta. A vaidade é um lixo, sério. Fode mais do que cigarro, manteiga e Miojo. A vaidade não nos deixa aceitar nossa incapacidade de controlar o outro. Fica louca quando não conseguimos fazê-lo enxergar alguma coisa pelo mesmo ângulo que nós. Faz com que desprezemos, de maneira infantil e birrenta, as incontáveis variáveis que constroem um indivíduo. “Ela tem que gostar de azeite, não é possível”.

O lance é: aceitar, muitas vezes, é o segredo; e dói menos, como dizem por aí. Só cuidado para não permitir que o amor a deixe cega a ponto de aceitar o que dói (física ou moralmente, não importa), como agressões e preconceitos. Porque uma coisa é estar com alguém que não pensa o mesmo que você sobre a salada, o cinema argentino, a moda, a melhor hora para dormir… E outra, bem diferente, é estar com alguém que, por não pensar como você, vive a deixá-la machucada, rebaixada, apreensiva… Enfim. Precisamos aprender a aceitar as diferentes e, ao mesmo tempo, manter em mente que algumas delas impossibilitam convivências mais longas do que aquelas que ocorrem, por maldade do acaso, em festas e elevadores.

Agora preciso ir, vou ao supermercado comprar molho para salada e, de maneira elegante, mostrar que superei meu inconformismo de ontem. Fui.

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