Eu sinto raiva de pernilongos, travesseiros altos, arroz com passas e da vizinha que canta ópera todo santo dia. Mas nada disso supera a raiva que me invade quando a minha namorada faz bico e, em vez de me contar o motivo – e me dar uma chance de retratação -, insiste em não dizer o porquê da careta e das respostas monossilábicas.
– O que foi? – eu pergunto.
– Nada! – ela me responde num tom ameaçador.
– Por que você está assim então, posso saber?
– Assim como, Ricardo?
– Com essa cara de…
– Você não sabe o motivo, né?
– Não tenho a mínima ideia – respondo. E não é blefe.
– Então pense um pouco.
– Não sei mesmo. Não seria mais fácil me falar?
– Você sabe.
– Se soubesse eu não estaria perguntando. E, muito provavelmente, não teria feito. É de fazer, né? Ou…
– Você sabe.
– O que foi que eu fiz? – insisto. E ela, mais uma vez, repete:
– Você sabe.
Mas eu não sei, juro! E essa tortura às vezes dura horas, transformando viagens de carro e domingos em verdadeiros infernos. E pior: ela não me dá pista alguma nem diz a primeira letra da cagada. Apenas repete uma porção de “Você sabe”, “Tá” e “ Então pense mais”. Para a minha agonia.
Se a vida já é pra lá de complicada, por que complicar tanto as coisas simples? Não seria mais fácil e menos doloroso simplesmente dizer “Ricardo, ontem você foi grosso comigo e isso me deixou muito magoada”? Será mesmo que não dá para encurtar um pouco o processo e chegar logo ao ponto? Pois depois de muita cara fechada e frases que não nos levam a lugar algum, sempre acaba da mesma forma: ela finalmente me diz por que está incomodada e, após algum diálogo e pedidos de desculpa, tudo fica bem. Ponto.
Eu sei que cada um reage de uma forma quando se sente ofendido/magoado/triste/
É claro que o mundo está cheio de canalhas que fingem não reparar nos erros que cometem. Mas nem todos são assim, saca? Nem todo mundo faz vista grossa. Às vezes a pessoa realmente não percebeu o que fez de errado e, quando é alertada, sente muito, do fundo do coração. Sente tanto que, se pudesse, voltaria no tempo só para não fazer de novo e evitar as mágoas que deixou acontecer.
Não podemos viver apenas de bons momentos, eu sei disso, não sou um completo alienado. A vida às vezes é uma merda mesmo, tô ligado. No entanto, quando notar que pode deixar o orgulho de lado e antecipar a partida de tempos tenebrosos e a chegada da primavera, não perca tempo. A vida é muito curta para dormir brigado, sair de manhã sem dar beijo na testa, deixar o perdão para um depois que, talvez, vai virar nunca mais. E eterno arrependimento.