• Liberdade Ofende – Tudo Aquilo Que O Topless  Não Mostra
  • Liberdade Ofende – Tudo Aquilo Que O Topless


    Não Mostra


    Dizem os mais tradicionais que “a mulher perfeita deve ser puta na cama e dama na sociedade”. Agora imaginem o que diriam eles se soubessem que mais de 6 mil mulheres teriam combinado de ir à praia no intuito de abdicar das amarras sociais, ou melhor, das amarras do biquíni? No final de dezembro, um evento chamou a atenção dos cariocas no Facebook. Mais de 6 mil mulheres confirmaram presença no Toplessaço, evento que propunha algo simples: elas fariam um topless coletivo em forma de protesto contra a criminalização do ato, símbolo da hiper-sexualização do corpo feminino. O resultado do evento foi um tanto inesperado, já que houve pouca aderência na prática e reação exagerada por parte de curiosos no local.

    O que me surpreende nisso não foi o evento em si nem a repercussão dele, infelizmente. É com muita vergonha que confesso a falta de surpresa, e imagino que você também não tenha se surpreendido. Por quê? O tom jocoso, pejorativo e negativo com que as aderentes eram tratadas na página do Facebook era surreal, mas passava batido pra muitos amigos meus. Pra eles, aquele tipo de julgamento, percepção e tratamento sobre mulheres era comum. Porque o Brasil, país do carnaval e das belas praias, é hipócrita. Moral e socialmente hipócrita. O brasileiro, coitado, tão simpático e serelepe, é um moralista tradicional. Antes de explicar por que digo isso, adianto que não sou um ás da teoria feminista, mas tenho tentado aprender um pouco mais a cada dia. Acho, inclusive, algumas coisas óbvias e necessárias de se dizer.

    Somos a galera que curte um rala e rola, uma pouca roupa na praia, um país-tropical-abençoado-por-deus que detesta passar calor. Daí naqueles dias de sol bacanas, a rapaziada tira a camiseta e manda ver na rua, desfilando peitorais ou barrigas salientes de chopp gelado. Tão natural quanto 1+1 =2. Daí a gente para pra pensar: ué, então é baita normal que uma menina possa ir à praia e tirar a parte de cima, como fazem na Europa, né? “Epa, epa, epa, lógico que não!”, dizem os mais exaltados. “Mulher minha não se mostra pra ninguém”, “quem faz isso é puta, piranha mesmo” e por aí vão as justificativas. O topless mostra muito mais do que seios e mamilos. Ele expõe a fragilidade cultural e histórica que tá enraizada na cabeça do brasileiro.

    O cara nasceu aqui com um pouco de bamba, ar de pegador, que vai pras gafieiras botar banca e conquistar uma morena. Pega várias por noite, é o bam-bam-bam. Mas se uma mulher fizer isso, ela é puta. Não presta pra ele. Se uma mulher não souber cozinhar e cuidar da casa, ela nunca vai ter um marido, coitada, como se fosse tudo o que ela precisasse pra sobreviver nesse país. Se ela passou dos 30 e tá solteira, boa coisa não deve ser.  Se o carro tá mal estacionado ou o piloto da frente cantou pneu, tem que ser mulher! Se o cara comeu a guria na primeira noite, ela é pra jogar fora, dizem os amigos. Mas o mais sério é aquela menina que tá reclamando que foi estuprada. Lógico que foi, tava com uma roupinha curta e cara de prostituta, com batom e maquiagem, andando por aí sozinha altas horas da noite. Lugar de moça de família é em casa, não na rua. E cuidando do homem da casa.

    Sim, amigo. Nós somos o país que julga a mulher com regras etiquetadas em cada ato delas. A gente cresceu assim, ué, não temos culpa, né? Afinal de contas, quem manda mostrar essa bunda por aí? Afinal de contas, ela tava pedindo, né? Não, ela nunca pediu nada, a não ser respeito. Pra sua informação, todos esses pensamentos são machistas, sim. Esses mesmos que você considera tão naturais quanto uma soma. Esses que seus pais, avôs e muitos outros homens te ensinaram a pensar. E, caso você também não saiba, feminismo é uma luta (antiga) que busca igualdade de direitos, deveres e expressões. Pra completar a cartilha da desinformação, informo que mulher é inteligente, sim. Sua mãe faz sexo, sim, e talvez ela tenha dado na primeira noite. Tem mulher que vai te dar toco na balada e você tem que aceitar isso, amigo, nem adianta puxar o cabelo dela ou ficar incomodando a guria. Devorar a moça com os olhos na rua é constrangedor, inclusive, pra você e pra ela. E ela nunca pede nada a você a menos que fale, então trate de deixar esse seu suposto talento pra decifrar o que ela “quer dizer” com as roupas curtas de lado. Ou seja, além de tolo, esse teu machismo é burro.

    O toplessaço expôs a fragilidade com que a mulher é tratada a partir do momento em que homens e mais homens zombavam delas e pediam pra ver peitinhos, como se fossem todas pedaços de carne. Quando homens e mais homens xingavam, pressionavam, ameaçavam e ridicularizavam como sempre fizeram na história brasileira, tanto é que muitas desistiram por medo. Forças policiais, autoridades e jornalistas, segundo relatos, desrespeitavam as moças com cantadas e pedidos grosseiros de atenção, e ai delas se não encarassem como elogios, como acontece na vida de todas. O toplessaço mostrou que ser mulher é sair nua, frágil e exposta todos os dias, sofrendo julgamentos e ações desrespeitosas apenas por serem mulheres e nada mais.

    Em um país que clama que “em teu seio, ó liberdade”, as pessoas parecem achar o contrário, e recriminam, oprimem, estupram, desrespeitam, batem e exibem orgulhosos suas ações diante do topless e da mulher num geral. Pra quem não entendeu ainda, elas não queriam lutar pelo direito à exposição dos seios nem somente pela liberdade. A luta sempre foi por dignidade.

    Para fins de direitos autorais de imagem declaro que as fotos usadas no post não são de minha autoria e que os autores não foram identificados.


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