• Adeus, Ano Velho
  • Adeus, Ano Velho


    Não sei vocês, mas eu criei um tipo de aversão às festas de final de ano quando descobri que todas aquelas cantigas de Natal não passam de pura hipocrisia e que Papai Noel se esquece, sim, sem o menor pingo de remorso, de mais de 95% da população mundial. Adultos, crianças, pretos, pobres, favelados, fodidos. Eu. Papai Noel se esqueceu de mim. Até hoje não me trouxe aquele pau rosadinho que encomendei no Natal de 2010. Hashtag Gardenalprovelhojá. E como se não bastasse todo o apelo comercial da data, ainda sou obrigada a aguentar Simone entoando “Então é Natal” desde o Natal de 1994; bonecos infláveis do Papai Noel enfeitando as fachadas dos prédios; pisca-piscas descompassados enforcando as pobres árvores da capital, que já tanto padecem com a poluição; e Roberto Carlos cantando “Esse cara sou eu” no especialíssimo programa de final de ano da Globo, como se tivesse à disposição um catálogo de bocetas para escolher o cardápio do dia. Foi-se o tempo, Roberto Carlos. Foi-se o tempo…

    Você, cristão e defensor da moral e dos bons costumes, vai dizer que eu preciso ter menos ódio no meu coração, mas defendo com unhas e dentes o meu direito de não me deixar envolver pelo espírito natalino, assim como você tem o pleno direito de se envolver até a cabeça nas superstições de final de ano. Pode pular as suas sete ondas, comer o seu prato de lentilha num pé só, guardar a sua folha de louro na carteira e colocar uma calcinha vermelha no dia da virada pra pegar mais macho no ano que vem – eu deixo, apesar de não acreditar na eficácia dessas simpatias.

    Agora, em uma coisa eu e vocês havemos de concordar: final de ano é época de reflexão. Sobre tudo o que se fez, tudo o que se desfez, tudo o que se disse, tudo o que se desdisse, tudo o que se puteou, tudo o que se desputeou. E digo mais: final de ano é época de resolver pendências que se acumularam ao longo do ano todo. De terminar aquele livro que está na cabeceira há três meses, de cozinhar aquela receita que você recortou da embalagem do fermento Royal em janeiro, de pegar aquele cara delícia do seu trabalho que desfila diariamente com aquela gola V de ‘vem ni mim’ enquanto tudo o que você precisa é entregar aquela maldita planilha a tempo. Final de ano é época de pontos finais.

    Por isso é que todo fim de ano tem um quê de fim de mundo. 21 de dezembro de 2012 se foi, e a gente ficou. A gente venceu, brôu. Agora, quero ver a gente vencer 31 de dezembro de 2012. Jamais conseguiremos, assim como não conseguimos vencer 31 de dezembro de 2011, nem de 2010, nem de 2009, nem de 1 D.C.. Jamais levantaremos o troféu na luta contra o tempo. A derrota está selada, meus caros. 2013 despontará absoluto, novo, inesperado. Misterioso, em branco, a ponto de bala. E aí, é hora de economizar um pouquinho na punheta e colocar os pulsos para funcionar com outro propósito: o de escrever com a própria caligrafia mais um ano de amores, de dores, de sucessos e de fracassos. E escrever a caneta – afinal, o erro a lápis é apagado sem deixar vestígios, enquanto o erro a caneta, embora corrigível com um rabisco ou com uma pincelada de branquinho, continua lá, doloroso e soberano. Exatamente como na vida real.

    Eu já tenho minha caneta em mãos, que é pra começar a manchar o papel assim que os fogos de Copacabana mancharem o céu. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, e depende de você. Não depende do seu deus, não depende do seu signo, não depende do seu ascendente. Depende um pouco do acaso e um tantão da sua condição social, é verdade. Mas no que você puder, atue com um belo sorriso e com uma surra de amor, que amor nunca é demais. E nos encontramos por aí. Um beijo, uma mordida sem vergonha no cangote e até o ano que vem.


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