• Comprometido, Mas Não Morto –  Porque Olhar Não Tira Pedaço
  • Comprometido, Mas Não Morto –


    Porque Olhar Não Tira Pedaço


    Era dia de encontro e nossos sorrisos estavam visivelmente brilhantes, como sugere o figurino para a ocasião. Tínhamos passado a semana toda sem nenhum tipo de contato carnal e, naquele dia, finalmente iríamos nos encontrar para esvaziar aquele galão de saudades, preenchido pelo hiato entre nossas peles. Eu cheguei à casa dela pontualmente como sempre. E ela, como sempre, estava atrasada, provavelmente de calcinha e possivelmente gritando enfurecida: “Eu não tenho roupa nenhuma, droga!”. Enfim, aquilo tudo era normal e nada parecia capaz de estragar nossa união estável. Ela demorou uma década para descer, mas no milésimo em que a vi, linda, esqueci-me daquele tempo que passei sozinho no carro. Ela entrou, sorriu e mais uma vez me hipnotizou com o perfume mais gostoso que eu havia sentido. Um beijo longo dentro do carro. Minha língua dançou com a dela e partimos para o shopping.

    Tudo estava perfeito e aparentemente inabalável. O jantar havia sido delicioso e estávamos satisfeitos na fila do cinema, quando de repente surgiu uma bunda rebolante e destruidora de lares. Diria que tinha formato de pêra, ou melhor, parecia uma moranga suculenta . Para piorar tudo, foi estacionar bem na nossa frente. Juro que tentei resistir, mas meus olhos curiosos pareciam ter vida própria. No começo, dei algumas micro-olhadas rápidas, mas precisava de mais tempo para analisar aquele monumento e cedi, fixando meu olhar naquela bunda. Ali fiquei até tomar um beliscão no braço – foi como se um pesadelo sensorial tivesse me acordado de um sonho visual. Desde a agressão, ela não falou mais comigo. No filme não virou um segundo para o meu lado e, se pudesse, sei que mandaria instalar uns oito apoios de braço para nos separar. No fim ela foi para casa quieta, nem beijo de tchau me deu. Demorou uma semana para voltar a conversar direito comigo e um ano para me trocar por outro potencial admirador de bundas.

    Vocês acham mesmo que me arrependo de ter olhado aquela circunferência? Claro que não. E independente do risco de tomar beliscões virtuais de vocês, leitoras, vou deixar aqui minha opinião sobre a diferença entre admirar corpos alheios e seduzir pessoas. Para entenderem o que considero infração, preciso antes dizer que existem dois tipo de olhares:

    – Olhar admirador:

    Mirada que apenas contempla e não exige nenhum tipo de correspondência advinda do ser contemplado. Pelo contrário: é um olhar que não quer ser percebido pelo objeto focado. O mesmo olhar desferido para obras de arte em museus, para picanhas em churrascarias e, claro, para bundas em praias.

    – Olhar sedutor:

    Obviamente é aquele que possui intuito de seduzir, necessitando de correspondência imediata como prova de efetividade e, justamente por isso, deve ser percebido pelo ser seduzido. O sedutor precisa mirar diretamente nas retinas da presa, ao contrário do olhar admirador. Não funciona quando não é notado pelo alvo da sedução.

    Agora que já sabem como eu classifico olhares posso dizer aqui sem mentira ou hipocrisia: só considero crime grave contra o relacionamento o olhar do tipo sedutor e, por isso, aceitarei sem dor no coração ou barraco quando minha mulher sentir-se impelida a olhar para um bíceps bonito. Afinal, esse olhar contemplativo é uma atitude humana. Entendo os motivos racionais que a fazem querer apreciar visualmente certos braços e peitorais, da mesma forma que admira uma bela pintura. Agora, se, porventura, eu pegar minha mulher tentando penetrar na retina de outros homens, buscando a reciprocidade de outros charmes… Bom, aí o papo muda de figura. Considero essa uma falta grave e um grande desrespeito, sujeito a aplicação de um sangrento cartão vermelho. Uma coisa é admirar uma bunda; outra, muito diferente, é intencionalmente agir para tê- la ou tocá-la. Sei que muitas discordarão, sentirão ciúmes só de ler esse texto e imaginarão que nesse exato momento o respectivo namorado está sintonizado em algum rebolado. Sei também que as fábricas de óculos escuros sentirão certo medo diante dessa ode aos olhares nus, mas não resisto: continuo olhando. E apreciando.


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