Se há vida fora da Terra? Até acho que sim, mas, por falta de evidências científicas, eu não posso lhe garantir. De uma coisa, porém, eu tenho certeza: existe muita vida – subaproveitada, por sinal – além deste retângulo luminoso em que agora me lê e, com o qual, você anda cada vez mais grudado, como se ele fosse essencial à sua sobrevivência.
Por que estou afirmando isso? Porque em minhas últimas caminhadas pela cidade eu me senti em meio a uma multidão de alienados; rodeado por zumbis que, de tão vidrados no conteúdo virtual dos smartphones que carregavam, pouco – ou nada! – notavam o que estava ocorrendo no mundo real.
Do jeito que as coisas andam, se uma arara-azul milagrosamente surgir para contrastar com o cinza-cimento desta megalópole, pouca gente a notará; e quem nela reparar se preocupará apenas em transformá-la em uma imagem capaz de atrair likes e todo tipo de confete virtual, suspeito.
Para ter uma noção, num café – onde é de se esperar que sobre papo e olho no olho – só vi seres hipnotizados por telinhas e ignorando, acredite se quiser, até mesmo aqueles com quem dividiam a mesa. Bateu até uma solidão, juro. Porque, das cerca de quinze pessoas ali presentes, somente uma senhora parecia estar lá por inteiro – além do corpo, digo. O resto, bom… O resto eu não sei em que planeta caminhava.
Talvez eu – como não é raro – esteja exagerando. Talvez eu precise aceitar mais as mudanças, “parar de ficar com o pé atrás em relação a tudo que é novo”, como me sugeriu um amigo no dia em que expus minha apreensão em relação ao futuro. “Cara, você não acha que as relações estão ficando muito frias?”, eu desabafei já alto de Campari, ao notar que o casal da mesa do lado mal tinha conversado na última hora (o cara digitava freneticamente e a menina tirava fotos – de si, do bar e sei lá do que mais).
Mas sabe o que é? O novo – e a velocidade que ele tem alterado tudo, até mesmo a forma como as pessoas se comunicam e sonham -, apesar de nos proporcionar uma porção de oportunidades fantásticas e capazes de tornar a vida muito mais prática, tem vindo sem manual ou recomendação de dose; e isso, a meu ver, acaba fazendo com que muita gente, sem perceber ou conseguir controlar, exagere nas doses, a ponto de transformar as soluções modernas em venenos potentes.
Não lidamos bem com o excesso de opções, esse é o grande problema; e as novas tecnologias nos deram um cardápio infinito. Temos inúmeras possibilidades e nos esforçamos para experimentar todas de uma só vez, o que é impossível. Por isso, acabamos agoniados, tomados pela sensação de que estamos perdendo chances a todo segundo, que não estamos conseguindo acompanhar a bola da vez que, daqui a pouco – segundos, talvez -, será considerada obsoleta, coisa do passado.
Graças à internet, a principal influenciadora dos comportamentos da nossa era, milhões de novos planetas impalpáveis se abriram a nós; lugares que nunca fecham, onde sempre há algo em andamento. Ótimo, né? Ô se é! O problema, a meu ver, é a quantidade de gente que tenta estar em todos ao mesmo tempo, diluindo-se tanto, mas tanto, que acaba em nenhum, nem no mundo real, onde crava os pés.
Doido, né? Eu acho. Mas, talvez, seja estranho apenas à minha geração e às anteriores, porque atravessamos épocas nas quais, numa mesa de bar, por exemplo, ninguém ficava com o celular na mão, em outro universo. Quando íamos a um restaurante, ficámos lá até o último café, entretidos com aquilo que tínhamos ao alcance: nós. Hoje, no entanto, parece que as presenças daqueles que podemos tocar se esticarmos os braços se tornaram menos interessantes do que a companhia dos que estão longe, em algum lugar do mundo virtual. Damos respostas monossilábicas a aqueles que tentam nos olhar nos olhos enquanto digitamos longos textos para seres que nem bem conhecemos. E assim por diante…
Eu amo a internet e as tantas opções que ela me deu/dá. Contudo, de uns tempos pra cá, passei a limitar meu tempo nela. E foi a melhor coisa que eu fiz, juro. Porque mesmo ciente dos riscos, e diante de gente que se perdeu na vastidão virtual, eu estava me afastando cada vez mais da realidade, sempre ansioso para estar onde eu não estava, sofrendo quando a bateria dos meus retângulos luminosos estava prestes a acabar. Saca? E me sinto muito melhor assim, capaz de sair sem celular por um só dia e ciente de que, só assim, poderei colocar tudo de mim no ambiente em que realmente estou.
Talvez, isto seja só um devaneio de alguém que ainda não sabe lidar com o novo que, amanhã, precisará ser atualizado. Talvez. Mas faço questão de repetir: há vida fora desta telinha; e recomendar: aproveita-a também. Toque-a. Respire-a. Viva-a.