Já dizia Nelson Rodrigues: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”. Essa sabedoria disseminada pelo escritor se mostra incontestável já que, quando o assunto é sexo, é impossível impor limites do que é “aceitável” e “saudável” ou não. O sexo é um chamado primitivo, uma evocação do seu instinto animal que clama por um gozo selvagem, é uma dança sincronizada cujo único objetivo é sentir e proporcionar prazer. Devido a tamanha subjetividade que envolve o ato, não há como gerar um manual de passo-a-passo ou estabelecer padrões a serem seguidos para chegar a esse prazer. É exatamente daí que vem a beleza da sua descoberta, daquela relação de pele, de química, que te ensandece e você não sabe explicar exatamente o porquê.
Partindo então desse princípio, me provoca revertérios quando vejo por aí um movimento de mulheres achando que só porque queimou sutiã não pode submeter-se a uma brincadeirinha de dominação na cama, mesmo quando se tem vontade. Querem encarnar a “feminista” na vida social, na cama, nas reuniões de condomínio… De maneira alguma defendo que as mulheres devem ser submissas ao homem, mas peraí: qual o problema de uma feminista ter desejos sexuais de submissão? Por que um tapa na cara consentido e, mais do que isso, desejado, pode soar como desrespeito e machismo?
Ao longo das últimas décadas, as mulheres foram protagonistas de várias conquistas importantíssimas das quais antes eram privadas. Da decisão de quando engravidar, da independência e dos direitos ao voto, ao controle do próprio corpo e à inserção no mercado de trabalho, por exemplo. Com isso, conquistamos a nossa liberdade de escolha. E acredito que escolher algo diferente de tudo aquilo que já foi conquistado não representa necessariamente um retrocesso.
Essa postura de tentar ser “feminista a todo o custo” se mostra retrógrada, já que segue o mesmo pensamento arcaico e machista da Roma Antiga. Naquela época, o sexo oral na mulher era impensável, por colocar o homem a serviço dela, já que ele precisava sempre dominar. Ou seja, antigamente uma posição social (homem macho fodão dominador) era repetida na cama (mulheres seres impróprios de receber sexo oral). Condenar uma mulher que escolhe ser submissa em relações sexuais é fazer a mesma coisa que os romanos faziam, é transportar uma posição social aos lençóis e tentar evitar que o ideal de relação igualitária proposto pelo feminismo seja quebrado na cama.
Conversando com algumas submissas no BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo), pude ver que elas se sentem super feministas por ter total discernimento e liberdade ao decidir o que fazer com o próprio corpo. Elas podem até parecer passivas ali durante o ato, porém foi uma decisão delas estar lá, o que pode ou não ser feito com seus corpos e também a hora de parar.
Sendo assim, não tenha dúvidas de que mulheres submissas na cama são mais livres do que as adeptas do papai-mamãe, mas que são reféns – financeira ou moralmente – de seus maridos, namorados e companheiros. São mais livres que mulheres com pensamentos machistas, que se anulam e regulam o que vestem e com quem transam por puro temor do que os outros vão pensar. Ser feminista é muito mais que levantar uma bandeira. É ir contra a correnteza , sair do padrão, pensar fora da caixa, querer justiça e igualdade. É ir atrás de seus desejos. Por isso é, sim, possível ser dona de si própria, mesmo quando se está em um jogo de submissão.