• Ditadura da beleza – somos réus ou vítimas?
  • Ditadura da beleza – somos réus ou vítimas?


    “No país rico de beleza misturado com pobreza
    Meninas se fantasiam negando suas naturezas
    Cobertas de incertezas com medo se sentem presas
    Escondem a esperteza sonhando com a realeza

    A mocinha quer saber por que ainda ninguém lhe quer
    Se é porque a pele é preta ou se ainda não virou mulher
    Ela procura entender porque essa desilusão
    Pois quando alisa o seu cabelo não vê a solução”
    Karol Conka – Marias

    Semana passada. Na fila de inauguração de uma marca de loja gringa aqui em São Paulo começo aquele tradicional papo feminino com duas mulheres loucas pra entrar no provador. A conversa gira em torno da loja lotada, preços dos itens, numeração das roupas e durante esse tópico uma delas solta: “Nossa eu sou LOUCA pra colocar silicone, me sinto muito reta, mas tenho um pouco de medo”. A garota em questão tem pouco seio, mas é linda e o número pequeno do sutiã não a deixa menos bonita e sim proporcional ao seu biotipo mignon. Eu não me aguento e digo:

    – Jura? Mas você é tão bonita assim!
    – É que eu acho bonito ter bastante seio!
    – Ah é? E por que será que você acha bonito? De onde vem essa opinião?

    Nosso diálogo é interrompido pela amiga siliconada que defende a ambição da garota falando sobre como sua vida mudou e ela é mais feliz com suas próteses novas.

    Volta pra essa semana. A ex-miss bumbum Andressa Urach está internada na UTI por conta de uma complicação em uma cirurgia de retirada de substâncias que foram aplicadas em suas pernas há alguns anos. Automaticamente as redes sociais se encheram de chorume com gente fazendo piadinhas, se divertindo com essa situação e culpando-a por fazer qualquer coisa em busca do corpo perfeito.e dizendo “bem feito”, quem mandou fazer aquele monte de plásticas. Chegou ao ápice de eu ler a seguinte manchete: “Mulheres, não sejam loucas: hidrogel na bunda pode matar”.

    Queria saber qual é a diferença entre as três mulheres que citei anteriormente. A primeira que alisa o cabelo. A segunda que almeja um implante nos seios. E a terceira que se submete a todos os procedimentos estéticos a que deseja. No primeiro e segundo caso tudo é considerado ~normal enquanto a Andressa é julgada e culpada, sendo que todas almejam o mesmo ideal: se encaixar em um padrão de beleza. Não entendo como uma mulher pode estar correndo risco de vida e as pessoas falarem “BEM FEITO”. Como se a responsabilidade fosse inteiramente dela por desejar se enquadrar nesses padrões de beleza absurdos. Porque né, a vida de uma subcelebridade fútil que escolhe fazer de tudo pra seguir essa linha de beleza vale menos. Muita gente acha que as culpadas são as próprias mulheres que fazem os procedimentos “sem nem pensar”. Afinal, na ditadura da beleza a louca é a mulher.

    Muito se fala sobre os “limites da vaidade”, mas é omitida a pressão social que as mulheres sofrem para se enquadrar nesses padrões. Fala-se muito em “gosto pessoal”, mas usar essa expressão é ignorar a realidade em que vivemos, é ignorar que somos bombardeadas desde cedo pela cultura de massa com princesas da Disney que seguem os padrões eurocêntricos de beleza, Barbies com cinturinha finérrima e estrelas teens que pra personificar esses modelos acabam por desenvolver distúrbios alimentares (como foi o caso da Demi Lovato). Nossas mulheres desde cedo são encorajadas a fazer qualquer coisa para seguir esses modelos estéticos. O resultado? Adolescentes que almejam uma plástica de nariz como presente de 15 anos, jovens que não veem a hora de completar 18 anos pra colocar silicone e mulheres guardando cada centavo do seu primeiro emprego pra bancar uma lipo. O corpo da mulher é aprisionado pela busca da perfeição do photoshop. O corpo da mulher é propriedade pública. Tá gorda então? Então tenta crossfit, a dieta detox, já ouviu falar da dukan? Não tá funcionando? Então o jeito é passar na faca mesmo. Tá muito magra? Cê precisa ganhar peso, hipertrofia, aumenta a carga, toma mais whey. Tá velha? Estica aí, aplica o botox, cê tem que envelhecer com ~dignidade, mas se for à praia de biquíni vai virar manchete do Ego.

    Acontece que a perfeição não existe fora do photoshop e dentro da vida real as tentativas pra se enquadrar nesse padrão nunca serão o suficiente. As pessoas se recusam a enxergar que querer seguir essa ditadura de beleza é algo introjetado na gente e não é uma questão de escolha. Somos ensinadas a achar bonito tal padrão, os homens são educados a desejarem tal padrão, é algo que entra na mente da gente sem percebemos. Então a culpa não é da Andressa por aplicar higrogel na coxa, e sim nossa por seguir o fluxo, não questionar e assim alimentar uma sociedade que coloca como meta esses padrões inatingíveis. Os modelos do corpo acabam sendo vítimas do próprio sistema colocado. As mulheres correm risco de vida pra se adequar a esses padrões impostos.

    Aí que eu me pergunto: como nós, integradas nesse sistema a ser seguido, podemos aliviar essa pressão exercida pela mídia de massa? Eu não leio mais revistas femininas e veículos do tipo pra tentar me livrar disso, mas, mesmo assim, sinto esse modelo imposto me perseguindo como um fantasminha. Ainda não achei o caminho certo a ser seguido pra me libertar dessa sombra dos padrões estéticos, mas acho que a primeira medida é aceitar que as mulheres não são loucas, nossa sociedade é que está doente.

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