Se existe uma coisa que me dá mais náuseas do que ler com o carro em movimento é gente perfeita demais.
Morro de tédio quando vejo aquelas mulheres loirinhas, perfeitinhas, com a barriga sequinha e a bunda empinada, ou aqueles caras fabricados em academia e vestindo camisa gola V. Eu juro que não é só pelo estereótipo. É que essas pessoas trazem na testa, em letras garrafais: “EU NÃO ME ACEITO”. “Eu gastei o meu dinheiro com esse silicone e essa escova progressiva porque eu preciso que você me veja”.” Eu estou suando feito um cuscuz e com as mãos cheias de calos e os músculos inflamados, mas continuo levantando esse peso porque eu preciso de um bíceps apresentável para que você me olhe e me deseje. E me inveje. E me admire. Qualquer coisa, mas não desvie seus olhos de mim”.
A naturalidade, ao contrário, exala um charme único, porque a autoaceitação é a coisa mais afrodisíaca do mundo. Um cabelo sem alisamento, um corpo sem esteroides, uma pele sem botox… São marcas de naturalidade. Marcas que provam que você é GENTE, porque gente é imperfeita mesmo. Marcas de gente que se ama e se aceita. Gente que não se rende. Gente que se destaca por poder folhear mil revistas fúteis e não correr para a academia e o salão de beleza, porque é inteligente e autêntica o suficiente para entender que aquilo é um modelo inalcançável, feito pra vender. E beleza, meus amores, não está à venda.
A verdade é que as pessoas demasiadamente subordinadas aos padrões de beleza, além de terem um grave problema de autoestima, não são lá muito inteligentes. Não conseguem perceber que as imposições midiáticas só pretendem nos transformar em bonequinhos de ventríloquo, monotonamente iguais. E continuamos seguindo a multidão, alisando nossos cabelos, engrossando nossas coxas e pintando nossas caras. Seguindo o caminho que todos seguem, sem fazer a menor ideia de onde ele vai dar. Pessoas que seguem à risca o que lhes é imposto berram por atenção. E quanto mais berram, menos são vistos.
Mas calma lá: Isso não te dá o direito de jogar tudo nos ares e se tornar um retrato do descuido. Isso não significa que você deve passar o resto dos seus dias bebendo chope e comendo batata-frita como se não houvesse amanhã. Que deve substituir o tempo antes dedicado à academia por uma punheta relaxante. Isso não é se aceitar: é se boicotar. O charme da imperfeição humana se esvai, em fração de segundos, quando se trata de pessoas descuidadas. Há uma diferença gritante entre imperfeições que são fruto da autoaceitação e aquelas que surgem da falta de amor próprio, da preguiça de cuidar de si mesmo. Isso me lembra aquelas pessoas que se dizem totalmente independentes dos padrões de beleza como desculpa para se deixar de lado: cancelar a matrícula na academia, aposentar os produtos de higiene e beleza, deixar de aparar o cabelo e até de escovar os dentes. “Eu me basto”, elas dizem.
Esse boicote lamentável à própria autoestima cria um efeito parecido com aquele de se esforçar demais pra ser visto. É como se a falta de cuidado consigo gerasse um sentimento de inferioridade crônica, típica das pessoas que não se aceitam. A falta de aceitação de si mesmo cria extremos característicos dessa modernidade louca: ou você corre desesperadamente em busca da perfeição, ou você se descuida completamente como quem desiste de existir em um mundo tão complicado e cruel. O equilíbrio é essencial até em questões como essa. E ser equilibrado é aceitar que a beleza é, antes de tudo, um estado de espírito. Quem se ama e se aceita tem um brilho inexplicável: traz na testa, em letras garrafais: EU ME CUIDO PORQUE EU ME AMO, independente de você.