Outro dia, em uma festa, uma cena me chamou a atenção: ela, a menina apaixonada, esperava firmemente que o cara de seu afeto lhe desse o mínimo que fosse de atenção; ele, descompromissado, estava mais preocupado em beber todas do que em desempenhar o papel de acompanhante. Mendigando reciprocidade de alguém que simplesmente não estava dando a mínima, ela deixou de curtir a festa como deveria, enquanto ele foi embora muito bem acompanhado. Aquilo me sensibilizou de tal forma que fiquei com um nó na garganta. Talvez porque eu tenha visto ali um papel que eu mesma já protagonizei diversas vezes. Uma novela mexicana em torno de um romance que, na maioria das vezes, só existe dentro da nossa cabeça.
A melodia diz sabiamente que o mundo está ao contrário e ninguém reparou. Quando se fala de relacionamentos, essa premissa deixa de ser apenas uma afirmativa para se tornar quase uma regra. Entre tantas coisas de pernas para o ar, o amor deixou de ser um sentimento que simplesmente acontece para se tornar um souvenir que se escolhe e se compra em qualquer padaria de esquina com as moedas mais sem valor do mercado. Ainda digo mais: amar se tornou um verbo de temporalidade. Hoje em dia se decide quando, onde e com quem a mágica vai vigorar. O vilão nos bastidores dessa história? Um mal que afeta uma boa parte dos corações solitários, e até daqueles não tão sozinhos assim: a carência.
Carência é um anseio da alma que bate assim, de leve e sorrateiro como aquele sono preguiçoso depois do almoço. Quando se assusta, já explodiu em angústia. Aquela apertadinha doída no coração que chega até a suspender o ar por alguns segundos. É a lembrança muitas vezes amarga de que falta alguém ali, do ladinho esquerdo da cama, no banco do passageiro, no assento do restaurante, na vida. Tanta nostalgia, aliada ao casamento de todas as suas amigas de infância, aos recém enamorados da turma e à chuva que bate na janela com o café quentinho esquentando a ponta dos dedos no finzinho do domingo, só podia resultar em uma coisa: expectativas. Perspectivas sobre uma relação que deveriam ser exclusivamente pessoais e intransferíveis, muitas vezes são depositadas sobre ombros despreparados e, como consequência, resultam na aceitação de migalhas em troca daquilo que deveria ser um banquete inteiro. Um amor inventado, baseado em ambições e não em méritos. Criam-se justificativas para o sumiço pós-encontro, para a falta de compromisso, para a escassez de carinho na poltrona do cinema. Uma relação que não merecia nem seu melhor bom dia termina supervalorizada e, quando se vê, aquele que deveria ter sido apenas um beijo na boca acaba, sem motivos reais, se tornando o amor da sua vida.
As pessoas andam perdendo a delicadeza da expressão “se apaixonar”. Não é mais uma condição que se desenvolve após longas conversas, beijos no portão e mensagens inesperadas. Apenas decide-se gostar de alguém e pronto. Enredos românticos são criados com a mesma facilidade com que se troca de roupa. Infelizmente, é bem mais cômodo ter o controle absoluto de tudo do que simplesmente deixar a vida acontecer. Permitir que o universo, o karma, Murphy e todos os mantras intercessores do destino atuem impetuosamente é arriscado demais. Cá entre nós, poucos são os dotados de coragem para viver os dias assim, no grosso da novidade que surge com cada raiar de sol. E como um bom café com leite morno acompanhado de bolachas água e sal, que preenche o estômago, mas não sacia a fome, o mundo vai caminhando assim, com dois pés descalços dentro da linha limítrofe da previsibilidade, da obviedade, da comodidade. É mais fácil escolher gostar de alguém do que deixar o universo se encarregar da missão.
A verdade é que não dá pra projetar todas as nossas vontades, sonhos e desejos no primeiro conjunto aprazível aos olhos que cruza nosso caminho. Como bem diz aquele livro: a gente aceita o amor que acha que merece. Se eu valorizo uma pessoa que já demonstrou de diversas maneiras não estar nem aí pra mim, eu estou mandando para o universo a mensagem de que é exatamente com esse descompasso e esse desamor que eu quero viver meus dias. Nunca me canso de repetir que amor não é barganha! Não se pede, não se implora, não se força, não se projeta. Amor acontece e só (ou não!). Insistir em uma história que de alguma forma não é inteira, baseada em uma carência momentânea ou em falta de perspectiva de um amanhã melhor, além de perda de tempo, é perda do amor mais importante que deveríamos cultivar: o amor próprio.
Saber devolver para o universo aquilo que simplesmente não se encaixa no nosso merecimento. Coragem para se permitir cruzar o caminho daquele relacionamento que a vida inventou, coloriu e devolveu de presente para os corações solitários. E calma, muita calma, pra saber esperar pela refeição completa, em vez de recolher as migalhas daquilo que deveria ser um pão inteiro.