• #BermudaSim – Por Mais Frescor E Menos  Frescura
  • #BermudaSim – Por Mais Frescor E Menos


    Frescura


    Tudo passa, até uva passa. Tudo gira, até pomba gira. E tudo muda, menos a bermuda, que, a despeito dos quarenta graus do calor brasileiro e dos ovos que a gente consegue fritar no asfalto, continua sendo recriminada nos ambientes de trabalho. Rio-quarenta-graus, Belém-trinta-e-cinco, São-Paulo-trinta. Aparelhos de ar condicionado esgotados e milhares de ventiladores vendidos por dia nas lojas de eletroeletrônicos. O atual verão brasileiro tem sido o mais quente nos últimos dez anos. Mas nada disso é suficiente para convencer os patrões de que a bermuda não é um pecado. A bermuda, para os homens; a alcinha, para as mulheres; as tatuagens à mostra, para os tatuados.

    Eis que, no meio de tanto suor, roupas encharcadas e desespero, me deparo com mais gente que compartilha da minha indignação. O movimento #BermudaSim, iniciado nas redes sociais por um grupo de cariocas, é um apelo desesperado de gente que tá cansada de sentir calor. Reivindicação meio #ClasseMédiaSofre? Sem sombra de dúvidas. Mas justa. Justíssima quando se pensa que essa exigência estúpida para que andemos engomados e engravatados em pleno verão de quarenta graus é um hábito importado da Europa durante o século XIX – excluindo e aniquilando qualquer necessidade de adaptação ao nosso clima tropical. À nossa cultura, tão liberal na hora de comercializar o carnaval, mas tão conservadora na hora de aceitar um simples topless ou um – mais simples ainda – advogado trabalhando de bermuda e camisa polo.

    Um estudo recente feito por Sarah M. Hughes, Ph.D em Ciências Políticas pela Northwestern University, nos Estados Unidos, ressaltou que, em uma pesquisa feita com trabalhadores norte-americanos que passaram a se vestir de maneira mais casual, 41% deles sentiram um impacto positivo na produtividade, e só 4% notaram efeitos negativos. O que é completamente compreensível quando se tem em mente aquela máxima de que se sentir bem é requisito básico para fazer bem. É como num relacionamento: a gente se sente mais à vontade para dar o nosso melhor se estamos satisfeitos. Se o outro não é um scarpin de salto nos apertando os calos do pé. Ou uma gravata sufocando o nosso livre arbítrio. Ou ainda aquele cinto, que aperta a barriga depois do almoço, mas que é necessário para que a calça não caia. Mas então, por que será que, salvo algumas felizes exceções, os ambientes de trabalho insistem em ditar a moda do engomo?

    Isso tudo evoca a nada inédita discussão: até onde você se deixa ser seduzido pela aparência? Até que ponto somos responsáveis por deixar que o dinheiro compre mais do que artefatos materiais? Até que ponto um economista engravatado merece mais o seu respeito do que um economista de calça jeans? Até que ponto o loiro de olhos azuis transmite mais confiança do que o negro de olhos castanhos? Você pode jurar de pés juntos que não, mas eu vou custar a acreditar que a primeira coisa que você repare em alguém não seja de caráter estético. A morena dos olhos grandes. O cara dos óculos de armação grossa. A menina do cabelo curtinho. O branquinho de cabelos escuros. A gente é acostumado a atribuir alcunhas de base completamente estética àqueles cujo nome desconhecemos. Eu mesma já perdi as contas de quantas vezes fui a baixinha tatuada, a menina do cabelo diferente, a magrinha da bunda grande.

    Mas a verdade é que, muito antes de ter 1,57m, uns pares de tatuagens, um cabelo meio-chanel-meio-joãozinho, poucos quilos e um quadril que há tempos já não cabe mais em balanças de parques de diversões, eu sou doce. Sou emotiva. Sou apegada aos meus argumentos – por mais que eles estejam errados. Sou cheia de vontade de fazer rir. É claro que ninguém vai se referir a mim na balada como a menina que adora comer arroz e feijão, que não tem muita empatia por cachorros e que prefere uma hora de música a uma hora de sono. Mas aqui fica um pedido: que as nossas características físicas não sejam barreiras para que cheguemos uns até os outros, mas, sim, pontes que ligam interesses aparentemente desconexos.  Se você é do samba e ela é do rock, dá pra fazer um samba-rock do bom. Se ela é vermelha e você azul, um violeta pode ser uma boa saída. Se você é ácida e ele é puro açúcar, mandem ver num agridoce pra colocar nessa salada.

    E o que a bermuda tem a ver com isso tudo? Assim como os trajes sociais não determinam, de forma alguma, o grau de competência do profissional, comportamentos e estéticas não devem servir como pressupostos pra gente sair fazendo casamentos eternos ou intrigas, nem rotulando como as pessoas são ou deixam de ser sem nem ao menos conhecê-las. Pare de cuidar do prazer e do desprazer dos outros. Permita-se conhecer o inusitado. E tira essa bermuda, mas não para vestir uma calça de linho. Nem porque eu quero você sério. Tão somente porque eu quero você pelado. Ou com aquela cuequinha boxer branca que tira meu ar, minha dignidade e a minha concentração.


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