Enquanto o Chico falava na TV eu a olhava. Enquanto o compositor que mais compreende a alma feminina cantava, eu queria compreender a alma dela. Ela tem um jeito manso que é só dela, que rouba os meus sentidos. Ri de mim, me crava os dentes.

Eu que cheguei de leve. Machuquei você de leve. E me retirei com pés de lã. Mas sei que o seu caminho amanhã, será um caminho bom. Posso caminhar do seu lado?

Enquanto eu olhava para o seu olhar, eu pensava. O que ela viu em mim? Por que ela gosta de mim tanto assim? Por que ela gosta da minha barba mal feita? Eu queria aqui escrever um tratado, um poema, um mantra. Queria amarrar palavras de forma engenhosa, pra que ela saiba o quanto ela me faz bem. Não tenho essa genialidade. Só posso dizer…

Parece bolero / Te quero, te quero…

Enquanto minha cabeça roda pelas tabelas, me sinto salvo quando vejo a noite nos seus braços. Eu, que sempre gostei da boemia, conheci outro significado para “noite” vendo a escuridão nascer nas suas costas. Nas noites do seu lado, posso deitar a cabeça. Não preciso salvar o mundo. Pode tudo. Pode ser feliz. Pode ser simples.

As nossas noites são / Feito oração na catedral / Não cuidamos do mundo / Um segundo sequer / Que noites de alucinação

Enquanto ela estava ali, fazendo nada, simplesmente sentada, olhando, eu poderia ignorar os textos mais inspirados de Shakespeare e tentar decifrar aqueles olhos. Aqueles olhos… O que viram em mim? Em mim?

Meu Deus, o que será que tem / Nesses olhos teus / O que será que tem / Pra me seduzir

Olha, ela tem todas as coisas que um dia eu sonhei pra mim. A cabeça cheia de problemas, não importa, eu gosto mesmo assim. Eu, que fui tão inconstante, te juro, agora quero ser pra valer. Viver não deve ser tão difícil assim. Agora, que te conheci.

Ah, se ao te conhecer / Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios / Rompi com o mundo, queimei meus navios / Me diz pra onde é que inda posso ir / Se nós nas travessuras das noites eternas / Já confundimos tanto as nossas pernas / Diz com que pernas eu devo seguir

Enquanto a noite acaba, derrubamos governos, convenções. Inventamos teorias, criamos teses. Falamos tudo sobre o nada. Rimos muito de piadas sem graça. E no meio da noitada boa, a gente só diz sim…

Amando noites a fundo / Tendo jornais como cobertor / Podendo abalar o mundo / No embalo do nosso amor / No ardor de tantos abraços / Caíram palácios / Ruiu um império / Os nossos olhos vidrados / De mistério

Devia estar escrito. Se buscarem em alguma ruína, alguma página, um escrito no fundo do mar, um garrancho mal feito, uma rúbrica, um desenho de milhões de anos atrás: a gente tinha que se encontrar. Ou se perder.

Consta nos astros, nos signos, nos búzios / Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás / Serás o meu amor, serás a minha paz

Ela é a minha paz. E por todos os segundos em que ela, só com o olhar, um sorriso, um carinho, salvou minha vida, mais uma vez recorro ao Chico para agradecer:

Deus lhe pague.

(um agradecimento atrasado desse pobre escriba para o grande Chico, que fez 70 no último 19 de junho)

ass alexandre


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