Nunca acreditei na escrita como forma de ensinar lições. Deve ser por isso que detesto auto-ajuda – porque o que é a vida se não aprender com nossos erros e seguir arrependidos, mas felizes com nossas próprias lições? Não sei. Só sei é que eu sempre precisei sentir na pele, e por isso evito essa coisa de cagar regra sobre o comportamento alheio – como vocês já devem ter percebido (ou não). Que seja dado a cada um o direito de viver de acordo com as próprias convicções.
Mas há uma coisa martelando dentro de mim há um tempo que nem sei precisar, e que, inevitavelmente, preciso lhes contar: a vida se torna muito mais gostosa – ou pelo menos pra mim se tornou – quando aprendemos a ser livres de verdade.
Por que a gente cresce ouvindo essa baboseira sem tamanho de que vivemos em uma sociedade livre e coisa e tal. E, guardando conosco essa ilusão – às vezes a vida inteira – continuamos a nos deixar acorrentar por um cotidiano que não nos apetece.
Tanto é verdade que nove entre dez cidadãos comuns vivem esperando pelo próximo feriado– quando terão novamente a oportunidade de fugir das vidas enfadonhas que criaram para si mesmos. Dos empregos que não lhes motivam, dos estudos sobre coisas martirizantes, da rotina que os massacra. E nos deparamos com uma verdade assustadora: nós nos torturamos em horário comercial. Abdicamos de nossa liberdade e fazemos isso por nossa vontade.
Não digo, com isso, que você peça demissão amanhã – você precisa pagar as contas, né? Essa que vos fala precisa também, e por isso dedica-se a um emprego comum oito horas por dia, cinco dias por semana, quando gostaria de estar em um lugar qualquer, degustando vinhos e escrevendo sobre (e apenas sobre) o que gostaria de escrever. Quando gostaria de fazer um milhão de coisas que uma vida comum não permite. Paciência.
A boa notícia – pra mim e pra você – é que podemos ser mais livres e viver com mais prazer sem precisar jogar tudo pro alto (para, inevitavelmente, ter que recolher depois): fazendo escolhas simples que abrimos mão, muitas vezes, por este terrível hábito de fazer o que não queremos.
Digo isto enquanto degusto um vinho, no tapete da sala, numa segunda-feira em que, mais uma vez, não fui à academia. Não fui pelo simples fato de não querer ir. E estou exatamente onde quero estar. Estou me permitindo. Porque minhas vontades não têm calendário, nem relógio, nem senso de responsabilidade.
Noutro dia mesmo, enquanto desfrutava do meu passeio vespertino de bicicleta – quando, novamente, aperfeiçoava-me na arte de me permitir – avistei um balanço num parque infantil, bem ao lado de um bar movimentado, e fui invadida por uma vontade incontrolável de parar minha bicicleta e brincar. A minha vontade não se importou com o fato de eu não ter mais oito anos, e nem com a possibilidade de os adultos maduros e cidadãos de bem sentados naquele bar me apontarem e rirem. E eu também não me importei. E brinquei. E fui feliz. Aproveitei a oportunidade que a vida me deu de sentir prazer em vez de fazer a coisa certa – certa pra quem? – sem precisar largar o meu emprego e sair pelo mundo pegando carona.
Aprendi a minha lição comigo mesma e agora me dou ao direito de dividir com vocês. Ser livre depende, no fundo, de escolhas tão pequenas que nos passam despercebidas. Como tomar um vinho numa noite de segunda-feira ou trabalhar num domingo – se a minha vontade assim me aconselhar. A liberdade, no fundo, é algo muito mais simples do que pensamos: é fazer o que queremos e não fazer o que não queremos. Correr riscos, porque assim é a vida. Eu sou uma cidadã comum que Belchior um dia escreveu – mas uma cidadã comum que busca ser feliz acima de todas as coisas, e paga o preço disto. E, se quer saber, é isso que eu desejo pra você.