Quando eu tinha 13 anos, eu me apaixonei por uma colega da aula de inglês. E só fui me dar conta disso uns 8 anos depois. Sabe por quê? Gostar de meninas, sendo uma, nunca havia sido uma possibilidade até então. Eu podia querer beijar meninos ou não querer beijar ninguém. Meninas, nunca. Mas eu achava ela tão bonita, gostava tanto de ficar olhando pra ela e até separava a roupa mais ajeitada que tinha pra ir à aula. Eu não sabia porque eu estava fazendo isso, eu só sabia que precisava fazê-lo.
Foi somente com 16 que eu descobri que era possível uma menina gostar da outra. Que não era feio, que eu não seria presa, que o mundo não iria acabar e que eu não iria para o inferno. Foi somente com 16 anos que eu descobri que eu não precisava usar salto alto pra ficar bonita, que dispensar a maquiagem era perfeitamente normal e que eu não precisava restringir meu guarda-roupa à sessão feminina da Renner. Mas a libertação leva tempo, leva coragem e exige diálogo.
Eu só fui entender a minha paixonite pela coleguinha do inglês depois do 20, quando lembrei, por acaso, da situação e me dei conta de que o meu gostar por ela ia muito além da amizade. Da mesma forma, o sentimento revelado pode ser aplicado a vários outros momentos, até então nebulosos, envolvendo colegas, amiguinhas e professoras. E entendi, de uma vez por todas, que eu sempre gostei de meninas. Contudo, por isso nunca ter sido uma possibilidade, eu não conseguia compreender o que estava acontecendo.
Não pertencer aos moldes heteronormativos é complicado, principalmente quando você ainda não se dá conta de que existem saídas, outras opções. Aos 16 anos, eu descobri que podia gostar de meninas e usar a roupa que eu quisesse, andar do jeito que eu quisesse e ser o que eu tanto escondia (ou nem mesmo me dava conta!) ser. Aos 16 anos, isso pode deixar você meio louco, deprimido e não é fácil. E aos 16 anos, eu jamais iria sonhar em chegar aos 24 e poder afirmar com todas as letras que: gostar de meninas e ser quem eu sou é o menor dos meus problemas – pelo menos gosto de pensar dessa forma.
Tem um ditado norte-americano com o qual eu concordo muito que diz “don’t judge a man until you walk a mile in his shoes” (não julgue um homem até que você ande uma milha em seus sapatos). Não quero que vocês sejam lésbicas por dia para entender certas coisas, mas vou contar um pouco sobre como é ter 24 anos, ser sapatão assumida e, como adoram dizer por aí, ter uma aparência masculinizada (em maior ou menor grau, dependendo da vibe).
Certa vez conversando com um amigo gay, estávamos discutindo o problema de sair do armário. É claro que é difícil, é uma barra, mas é algo necessário. Eis que ele me diz, então, que o pior de tudo são as saídas diárias que você tem que fazer. Isso porque as pessoas assumem que ele é hétero, que tem namorada e que gosta de peitos. Então, a cada nova roda de amigos, a cada novo conhecido, a cada novo emprego, ele precisa sair do armário. É uma saída contínua. É algo desgastante.
Essa foi uma conversa bastante importante pra mim pelo simples motivo de eu nunca ter pensado nisso. A razão? Bom, eu só precisei sair do armário uma vez. A cada novo grupo de amigos ou emprego, acho que as pessoas se surpreenderiam se eu falasse sobre namorados homens, se eu me interessasse pelo boy da novela. É, quando você tem “sapatão” escrito na sua testa, a vida não fica mais fácil, mas com certeza fica mais espirituosa.
Sabe quando você é mulher, sai na rua e é chamada de “gostosa”, “ô lá em casa” e todas essas merdas que, na mente dos caras, pode fazer com que você vá parar na cama deles? Pois é, isso nunca aconteceu comigo. Quando estou na rua, costumo ouvir coisas um pouquinho diferentes. Como certa vez eu estava no ônibus e, no banco da frente, um garotinho sentado no colo da mãe começou a olhar pra mim. Então ele a cutucou e perguntou: “mãe, é menino ou menina?” No alto da minha paciência, sorri para a mãe e disse: “explica pra ele que eu sou os dois.” Desci no ponto seguinte, ela não entendeu nada, ele continuou na dúvida e a vida segue. O mais curioso é que nunca me chamaram de sapatão na rua. Mas “ô seu viado!”, “bichona” e “baitola” já escutei aos montes. Minha reação natural é rir e ajeitar os peitos, claro.
Mas ter “sapatão” em neon na testa nem sempre é divertido. Todo mundo já teve um dia em que pessoas ficavam olhando sem parar para você. Se quando isso acontece você se pergunta se está cagado ou algo do gênero, eu só me lembro que sou sapatão. Olhares, minha gente. Isso incomoda, isso machuca, por mais que a gente se acostume. O que você tanto olha é só uma menina que às vezes se veste de piá e gosta de meninas, qual é o circo disso? Precisa mesmo ficar olhando tanto?
Olhe menos pra mim quando eu tô sozinha. Pare de encarar quando eu beijo uma menina em público. Pare de gritar xingões ou dizer que é pouca vergonha o que eu faço com tanto amor. Pare de nos imaginar nuas na cama. Pare de pensar que lésbicas só servem para completar a cama de um cara hétero. Pare de dizer que “gostar de mulher tudo bem, mas não precisa se vestir de homem”. Principalmente se você for uma lésbica. Pare de dizer que aceita as “lésbicas bonitas”, mas não “as sapatões”. Pare de fazer convites ridículos. Pare de dizer que eu sou um desperdício. Pare de me zuar se eu estou em um bar hétero. Pare de sussurrar besteiras para seus amigos se eu estou com uma menina. Pare de achar que eu quero dar em cima de você se você é mulher e hétero. Pare de olhar torto pra mim no banheiro feminino. Pare de me barrar no provador feminino. E no masculino. Pare de me chamar de Bruno. Pare de me chamar de senhor. Pare de me chamar de moço. Pare de me perguntar se eu quero ter um pênis. Pare de me dizer que sou lésbica porque um cara nunca me pegou de jeito. Pare. Apenas pare. Pare e pense. Pense e entenda que eu sou gente antes de ser lésbica. Que eu sou mulher antes de ser lésbica. Que eu sou uma porrada de coisas antes de ser lésbica. Walk a mile in my fucking shoes.
Lembre-se de que nem toda lésbica tem um neon na testa escrito “sapatão”, mas que todas elas querem o seu respeito. E isso é o mínimo que você pode dar a elas ou a qualquer outro ser humano.
Desarme-se de preconceitos, de fantasias, de ideias criadas por décadas de filmes pornôs ruins, de receios e de ignorância. Mulheres também amam mulheres. E não tem nada de errado nisso. Mulheres nem sempre se parecem com aquilo que você entende por mulheres. E não tem nada de errado nisso.