• Pedala: o que os tombos de bicicleta  podem nos ensinar sobre a vida
  • Pedala: o que os tombos de bicicleta


    podem nos ensinar sobre a vida


    Dos tombos da vida, o ciclo da dor: aquela ardida inicial, dor, dor intensa, dolorido e em seguida vem a casquinha que puxa, sabe? Aquela que coça e tu acaba arrancando ela e os pelinhos junto, numa dor aguda e ensordecedora? Até que por fim, a cicatriz vem para acalmar a pele. Há quem reclame da cicatriz, diga que estraga sua estética. Antes intocada e lisa. Quem nunca ralou os joelhos quando criança?

    Aprendi a andar de bicicleta assim:

    – “Senta aí, e pedala.”

    E atrás de mim meu pai, que me ensinou em apenas um empurrão a andar naquela Caloi vermelha.

    – “Se parar de pedalar, vai cair! Pedala! Pe-da-la!”, ele gritava.

    Eu estava morrendo de medo, porque eu até tinha uma bicicleta de rodinhas antes, mas não andava nela e aquela, aquela era enorme, mal alcançava os pedais. Assim foi, tranca a respiração e vai! Fui, bem corajosa, pedalando enlouquecidamente, e quando dei por mim, tava andando naquela bicicleta com cabelos ao vento e o orgulho ecoando no coração.

    Meus vizinhos estavam lá naquela pracinha também, só que eles sabiam andar de bicicleta (pequeno detalhe). Me desafiaram apostar uma corrida até o final da praça que tinha um campo de futebol de areião. Esqueci de perguntar como se parava a bicicleta (ela não tinha freio, obrigada – de nada). Não deu outra né? Caí feio, e ralei os dois joelhos.

    Meu pai gritou do outro lado da praça p. da vida:

    – “Levanta e continua! Sem choro!”

    Só parei de andar quando a bicicleta já estava muito suja com meu sangue. Fui para casa, limpar ela e meus joelhos. Toda vez que eu ia aprender algo novo, eu ouvia:

    – “Presta atenção, que eu vou te ensinar UMA VEZ SÓ. E eu sei que parece duro, e é mesmo. Mas, veja bem, o mundo é assim mesmo, duro, e sem piedade e sem freio. Então a gente aprende que como o Renato Russo disse: a primeira vez é sempre a última chance.”

    É ou não é? Então: pedala!

    Se algo te assuta, pe-da-la. Se algo te entristece, pe-da-la. Mesmo que digam que tu é louca, pe-da-la. Se não acreditam em ti? pe-da-la. Se foi rapitada por um ET, se um delizamento de terra caiu em cima da tua casa, se teu gato comeu um prego, se teu chefe te confundiu com saco de batata, se um cara não te ligou depois de transar, se tua vizinha de cima tem tamancos de madeira, se choveu, se nevou e se escureceu: PE-DA-LA. Como a bicicleta que não se pode perder o equilíbrio a gente segue caminhando pra frente, mesmo com o coração rasgado, lágrimas ensacadas pra viagem e os pés doendo do sapatinho que não era de cristal.

    Dá um impulso forte nos pedais da bicicleta porque não podemos parar de pedalar. E se houver tombo que a gente aprenda a cair melhor e melhor. Morre chorando quando precisa, porque chorar é digno, é muito importante, quase inevitável. A gente é pequeno pras emoções, elas sobram, precisam de escoamento, mas nunca, jamais, pare de andar. Se tem que chorar, chora pra valer. Mas nunca pare.
    Afinal, pedalar é preciso. E viver é preciso.

    kelly


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