Diz pra mim: em quantas vezes na vida você se olhou no espelho e gostou realmente do que via? Se isso algum dia aconteceu comigo, foram pouquíssimas vezes. “Ah, é problema de autoestima sua”, você vai dizer. De fato, não discordo.

Recentemente viajei para Buenos Aires e me surpreendi com os avisos nas campanhas publicitárias por lá. Todos diziam que o anúncio tinha sido alterado ou aperfeiçoado digitalmente e não representava fielmente a realidade. Achei honesta a maneira como a publicidade hermana comunicava uma grande verdade: as capas de revista, as pessoas nos outdoors, as personalidades na mídia raramente são daquele jeito na vida real.

Nós vivemos num mundo que manipula imagens de acordo o padrão de beleza vigente. Aquela coisa supermodel, supermagra, supergostosa, super-qualquer-coisa-que-não-seja-real possui retoques de crueldade e segregação que vão além dos contra-argumentos de que esse discurso é mimimi ou recalque. 

A gente deseja ter um corpaço daqueles? Provavelmente sim. Quem nunca se matou na academia, fez dietas loucas, arriscou a saúde, venerou a beleza de uma pessoa com traços europeus, corpo talhado, dentes perfeitos e tudo mais? Quem nunca pensou em qual cirurgia plástica faria se tivesse a oportunidade, no que mexeria no corpo, no que melhoraria? 

Isso acontece porque nós somos bombardeados o tempo inteiro por imagens irreais do que é um corpo perfeito. De qual corpo devemos ter para sermos aceitos. De qual corpo devemos ter para sermos amados. De qual é a casca ideal para desfilar por aí causando atração, desejo e olhares românticos dos outros. Se você parar pra pensar na filosofia por trás disso, imaginem a bobagem que é gostar de alguém pelo o que ela aparenta. Você mesmo não veria seu corpo se não fosse por conta do espelho, não é? Porque o que existe aí dentro é o que forma a pessoa que você é.

Nesses dias, parei pra pensar em tudo isso, em como a gente se mata pra tentar se enquadrar em uma coisa que talvez não tenha como. Tem gente cuja genética jamais permitirá que sejam super malhadas ou super magras, tem gente que só de respirar engorda um pouco, tem gente que pode comer um elefante que não consegue engordar, tem gente que tem espinha que não sara, tem gente pra tudo quanto é lugar. E a ideia do empoderamento surge exatamente pra essa ideia de que: hey, tá tudo bem se você não é parecida com uma supermodelo ou com um galã da novela das oito. Na verdade, você só não se acha parecido com alguém nesses papéis porque nunca colocaram alguém como você nesses papéis. Ou, se colocaram, fizeram questão de alterá-los – como os avisos das peças publicitárias na Argentina alertavam.

Não existe essa balela de “corpo perfeito” pra isso, “corpo perfeito” pra aquilo e blá, blá, blá. É óbvio que uma boa parcela do mundo ainda não pensa assim e nós vamos continuar sendo pressionados diariamente para que entremos nos moldes do tal corpo perfeito. Mas, se nós conseguirmos dar o primeiro passo de quebrar isso nas nossas cabeças, se nós conseguirmos entender que beleza não é um aspecto único na vida/corpo de alguém, já é uma grande e precioso caminho rumo à libertação.

daniel


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