No momento em que saí pela porta entendi que o caminho era doído, solitário e sem curvas. A dor dilacerante que me cortava o peito não deixava dúvidas: algo ali dentro havia sido avariado. Era quase impossível manter a respiração em uma frequência constante, e aquela sensação de azia misturada com angústia admitia com clareza que o vazio que tinha sido deixado era muito maior do que qualquer fome do mundo. Quando a gente se retira ou é convidado a sair da vivência de outro alguém o mundo para dentro da gente. O problema está justamente no universo lá fora que continua girando, se movendo, se transformando, independente se o coração da gente está pronto ou não para continuar a batalha. Na maioria das vezes ele não está, mas pé ante pé, se precisa seguir.
Parece uma realidade completamente nova e alheia, e de fato, é. O beijo de bom dia, o abraço, o telefonema, o amor que sempre sabia-se lá não importa em que lugar do planeta ele estivesse, entre um impulso e outro deixa de existir. Os dias ficam intermináveis, os prazeres tornam-se desgostosos, o tic tac do relógio escolhe um minuto e permanece estagnado lá até a dor se doer por inteiro, e não sobrar nem um resquício de saudade para impedir que os olhos mirem adiante. Até a brisa da janela parece sussurrar sua solidariedade em calmaria. Quem nunca teve um coração partido que atire a primeira lágrima. Quem nunca engoliu seco o amargor de um adeus ou partiu sem olhar para trás por puro medo de desmoronar em tristeza. A dor de se terminar um relacionamento pode ser comparada a uma dor realmente física, porém não há remédios, vacinas, ou soros no mundo que saibam curar esta fase de luto como o tempo sabe.
Enquanto os dias fazem o seu árduo trabalho de varrer todas as impurezas emocionais que tomam conta do sorriso da gente, é preciso fazer a nossa parte. Respirar, acordar, aceitar, continuar, e quando algo for finalmente divertido, sorrir. A cidade, as pessoas, as emoções estão em contínua transição. Não dá para simplesmente parar, se trancar no cantinho mais escuro do quarto e esperar calmamente todo o sofrimento ir embora. Sofrer sim, por um dia ou dois, até uma semana para desafogar todo o turbilhão de sentimentos que sufocam o nosso amor próprio. Apenas o tempo suficiente para dar a volta por cima e permanecer consciente de que ninguém é insubstituível, tampouco essencial como o “ar que eu respiro”. E talvez esta tenha sido a lição mais importante que eu tenha aprendido na vida: as pessoas são únicas, maravilhosas, e deixam um legado especialíssimo dentro da travessia da gente, mas como o infinito em constante movimento que é a vida, elas têm o direito de ir embora, e sim, outros afetos virão.
Tem gente que se martiriza, se oprime, se esconde depois de uma decepção amorosa por acreditar que nunca mais vai ser feliz novamente ou que seu dedo podre só traz desapontamentos. Eu prefiro confiar que dias melhores sempre estão por vir e a capacidade de segurar todas as petecas no alto em momentos difíceis como a despedida de alguém, é o que nos faz ter orgulho da pessoa que nos tornamos pós-coração partido. Parece fácil, mas eu sei que não é. O segredo é não persistir na dor além do necessário, não se encher de remorsos e culpas, e confiar que nada acontece por acaso, porque o amanhã é uma eterna caixinha de surpresas. O mundo gira. A dor também.
Antes de iniciar a longa caminhada que me esperava do lado de fora daquela parceria respirei bem fundo e deixei que todas as lágrimas que batiam à porta do meu coração conhecessem o castanho claro dos meus olhos. Depois de algum tempo a travessia vai ficando mais amena e a cerejeira da esquina da faculdade volta a apresentar os doces amarelos que tanto clareiam todas as manhãs. A forma como a gente lida com um coração partido muda totalmente a forma como encaramos nossas próprias fraquezas. Se sairmos mais corajosos e resilientes depois de um colapso emocional o coração partido já deixou bons propósitos, mesmo que a primeira vista eles não sejam tão evidentes. Deixa o amor ser consumido pelo tempo, cola os caquinhos em seus devidos lugares, retoma a altivez desse olhar, e parte pra outra. Olhei para os pássaros que me presenteavam com seu gorjeio na árvore que crescia sob a minha janela e suspirei: sempre existirão outros abrigos para o nosso ninho, nem que sejam num para sempre que ainda não desabrochou em flor.