Pois é, não demos certo. E isso surpreende a alguém? Não a mim. Você é meu inferno astral, eu sempre soube. E daí que queremos viajar para os mesmos lugares? Eu sou mundo, você também. A gente não precisa de casa, mas às vezes nossa casa é uma pessoa. E é difícil morar em alguém. É mais difícil ainda deixar que alguém more na gente.
Por isso, amor, nós sempre soubemos que você não ficaria; e que eu não te deixaria ficar. Mesmo com todos aqueles planos inúteis, pra mim tudo sempre foi o agora, acredita? Sempre foi o sorriso que você me dava todas as noites e nada mais.
Nunca foram os sonhos de casar na praia, com você de bermuda, que me fizeram sorrir tanto. Nunca foram os nossos filhos de olhos apertadinhos nem o jeito como você seria o pai mais bobo do mundo. Não foram as viagens que a gente faria nem os lugares especiais que você me mostraria. Não, nunca foi o Porto nem a Praia Vermelha.
Foram as músicas que eu ainda ouço lembrando de você com uma saudade gostosa, deliciosamente melancólica. Foram as palavras que você me disse e que me pareceram as mais sinceras do mundo. Foram os nossos filmes que a gente sempre viu do mesmo jeito, como que com os mesmos olhos. Era o jeito como você dizia que adorava as minhas fotos naturais. Era o mundo que ficava mais bonito quando eu lembrava que existia você. São os lugares pelos quais eu vou passar e me lembrar do seu sorriso, da sua leveza, do seu amor pela vida.
O que vale a pena no amor é o sorriso que ele põe no nosso rosto, mesmo que ele dê conta de apagar no dia seguinte; é o jeito como a gente se sente mais vivo só por ter sido capaz de amar alguém. É o gosto de descobrir o outro e de se descobrir no outro. O barato do amor é o que ele faz com a nossa alma antes de evaporar. É a vida que ele nos trás antes da morte súbita e inevitável.
Por isso, mesmo que não tenhamos sido futuro, fomos presente – e isso sempre terá valido a pena. Vale mesmo agora, que somos o mais inútil passado. E mesmo que todo mundo só veja as perdas, com você eu sei que terei ganhado, sempre terei ganhado, “por causa da cor do trigo.” *
*A raposa, na história do Pequeno Príncipe.