Volto para 1998. É janeiro. Faz um dia bonito, daqueles em que a luminosidade muda a cor de todas as coisas, o céu ganha um azul amarelado e tudo parece suspenso pelo calor. Já passou do meio dia, volto da praia por uma rua onde não passa ninguém, com pele salgada de mar e os pés ardendo na calçada quente. Tenho 14 anos, uso argolas prateadas e um vestido verde bem curto esconde o meu biquíni.
Faz quase um mês e meio que as aulas terminaram e estou longe da cidade, longe da minha adorável internet discada, curtindo o marasmo das férias de verão. Ando empenhada em conseguir um bronzeado e clarear meu cabelo com chá de camomila. Volto pra casa sozinha e seria um dia perfeitamente comum, não fosse a minha irmã me esperando do outro lado da ponte perto do condomínio. Não, ela não tinha vindo me chamar para o almoço. Como toda boa irmã mais velha, precisava me avisar que ele tinha ligado.
Ele era o menino que eu gostava. Era por quem eu passava horas me arrumando na saída do colégio, exagerando no batom para parecer mais velha. Ele era quem eu espiava nos intervalos da aula e suspirava sozinha olhando a quadra. Ele me fazia tremer, me fazia esquecer o que eu ia dizer, me fazia passar vergonha de tão nervosa que eu ficava. Ele não me dava a menor bola, mas naquele dia me ligou. Disse que conseguiu meu telefone com uma amiga, que tinha lembrado de mim e me escrito uma carta. Disse que tinha coisas pra me contar e que eu deveria escutar uma música. Corri até o shoppingzinho para comprar o CD, mas não consegui aguentar o suspense e ouvi a letra nos headphones da loja. Era um pedido de desculpa que no final me perguntava se já era tarde.
Não era. Na verdade, era bem cedo. Aquilo era só o começo de uma avassaladora paixão adolescente, com beijos demorados, telefonemas intermináveis e apelidos constrangedores. Era o começo das tardes mais legais da minha vida, mãozinhas dadas no cinema e agarrões na escada de incêndio. Era o início das fitas gravadas com a trilha da nossa história e de uma saudade doida que eu nunca tinha sentido. Lembro que os adultos duvidavam do meu amor e eu ficava enlouquecida. Tudo o que eu mais queria era envelhecer correndo pra que o “Felizes para sempre” chegasse logo.
Nosso namoro durou dois anos. Quando terminou, achei que eu fosse morrer. Chorei até ficar cansada, emagreci, escutei obsessivamente o mesmo álbum do Tim Maia pra embalar a minha fossa. Mas aí aconteceu uma coisa inesperada: eu sobrevivi. E ter sobrevivido, para mim, foi tão definitivo quanto ter amado. No dia em que eu descobri que amor não mata, eu fiquei mais cética em relação a toda aquela loucura e passei a encarar aquela empolgação como algo passageiro. Passei a usar com mais cuidado o sempre e o nunca, entendi que a gente muda, aprendi do pior jeito que aperto no peito não era só uma metáfora.
No dia em que eu descobri que o amor não mata, eu parei de morrer por amor, mas hoje, sem querer eu escutei aquela música. Fui arremessada para janeiro de 98 e consegui me lembrar exatamente como me sentia. Deu vontade de voltar no tempo só pra poder cochichar: “cruza essa ponte, querida, e vive a parte mais mágica da sua vida. Não se culpe, não se desculpe, porque isso não volta. Pode ser que não seja amor, que seja paixão, mas não importa. Aproveite o que você está sentindo. Perto desse fogo de artifício, todo o resto parecerá um estalinho.”