• Como seria o mundo se não  existisse dor de amor?
  • Como seria o mundo se não


    existisse dor de amor?


    Como seria o mundo se nele não existisse dor de amor? Já parou para pensar? Eu tenho uma hipótese: seria um porre, porre que é sinônimo de tédio e que não precisa de álcool no sangue para se tornar possível, que fique bem claro, pois o outro tipo de porre – aquele que é reflexo do exagero etílico – ficaria à beira da extinção se não houvesse dor de amor em SP e no restante desta galáxia; o que, obviamente, seria péssimo para os donos de boteco e catastrófico para os fabricantes de cachaça e de outras anestesias comumente usadas por gente de coração partido, chifres recém-descobertos ou coração partido por causa de chifres recém-descobertos, que é o caso mais típico. Consigo até imaginar a timbalada de panelas que eles, os produtores de água que passarinho não bebe (não bebe porque não sofre de amor), fariam na Avenida Paulista se a Dilma resolvesse sancionar uma lei que proíbe, em todo território nacional, a dor de amor. Travaria geral.

    Se nessa terra cheia de palmeiras não existisse dor de amor, o cantor Leonardo ainda estaria plantando tomates em Goiás. Ou goji berry no Tibete, vai saber. Mas não estaria se aproveitando das memórias emotivas de nossos corações cheios de cicatrizes para vender álbuns e nos fazer chorar por ele, disso eu tenho certeza. E o Bruno e Marrone, como estariam num mundo sem dor de amor? Tenho uma suposição: estariam trocando maços de cigarro pela preservação da virgindade anal deles em uma cela superlotada, ou você acha que num mundo sem dor de amor eles teriam convencido o guarda de que eram, apenas, caras carentes e pensando nela? Claro que não! Se não houvesse dor de amor pra justificar a soneca na praça – e tudo que a música não conta! -, eles logo seriam fichados como delinquentes. Se não existisse dor de amor, meus caros, no final do ano não rolaria Roberto Carlos de na TV, e a música Garçom, do Reginaldo Rossi, não teria feito sucesso algum; assim como Evidências, que não teria se tornado o hit que é em karaokês e boates azuis de beira de estrada.

    E a poesia, o que seria dela sem a dor de amor que muitas vezes só sabe rimar com um potão de sorvete e com um “Não tô a fim de sair hoje” dito com voz de quem não sai de dentro do pijama há séculos? Seria, apenas, metade do que é. Ou menos. Pois conheço muitos poetas que só conseguem escrever quando estão com o coração pra lá de dolorido, e que em momentos de coração pleno e sorridente não produzem nem um haikai anão. Ah, e conheço também alguns poetas que, em todas as poesias que fazem, dão um jeito de rimar amor com dor, o que seria um clichê injustificável num planeta sem a relação pública, escancarada e quase maternal que o amor tem com a dor. Sem dor de amor, o Soneto de Separação, do Vinicius de Moraes, simplesmente não existiria, e, se por qualquer acaso fosse criado, não entenderíamos por que “do riso fez-se o pranto”, e chamaríamos o poetinha de louco, de bebum sem talento, de sei lá mais o quê. Se não houvesse dor de amor, Olhos nos Olhos, do Chico Buarque, não levaria às lágrimas nem mesmo a moça que está sensível ao quadrado porque está “de chico”. Mas a dor de amor existe – ô se existe! -, e quando o carioca de Hollanda canta “me disse para ser feliz e passar bem”, poucas são as almas que não se lembram da existência dela, e de quando quiseram morrer de ciúme, quase enlouqueceram, mas depois, como era de costume…

    Se não existisse dor de amor, meus caros, muitos terapeutas perderiam boa parte dos pacientes, e teriam que vender rangos “gourmetizados” em food trucks ou tentar a vida como blogueiros fitness. E as baladas, coitadas, não estariam tão cheias quando estão agora. Não estariam transbordando de gente que se entope de vodca e se esconde, da dor de amor que sente, dentro de salões escuros nos quais as batidas de um coração espancado sempre perdem pras batidas do DJ, e todos os corpos sorriem e dançam, teatralmente, como se já tivessem superado a dor de um amor que acabou antes de o amor acabar, bem no meio inverno e longe do Carnaval.

    Se não existisse dor de amor, depois de um término que incha as pálpebras e emagrece mais do que lipoaspiração, recomeçar a vida com uma nova paixão seria fácil como fazer mágica a crianças babonas que só sabem falar “mamãe” e “pa… pinha”. Se o amor, vez ou outra, não nos causasse dores que superam a dor causada por pedras nos rins e colisões de mindinho, o mundo não estaria tão cheio de eternos solteirões, caras que escondem os seres traumatizados que realmente são sob a carapuça de cafajeste inconquistável, assim fingindo que possuem imunidade ao amor – e à vontade de se entregarem a ele. Pelo fato de eu já ter sido desses cafas de fachada, eu tenho certeza de que eles são, somente, gente que morre de medo de sentir, mais uma vez, o coração espremido, esmagado por algo que se quer e, infelizmente, não se pode mais ter. Sei que temem sentir pontadas no peito iguais àquelas que sentiramm quando reconheceram, em meio à multidão, o perfume de alguém que já foi e que agora… Agora? Como é que vão saber? Eles já apagaram tudo que puderam. Só restou a memória. E a dor que ainda bate, à força, quando abrem o armário e veem a camiseta que ganharam de quem já perderam.

    “Se não existisse dor de amor seria muito melhor”, já ouvi gente falando. Mas discordo. Seria um porre! Repito o que afirmei no comecinho do texto, e agora explico: precisa existir dor de amor. E não penso assim porque estou pensando em me lançar como cantor sertanejo ou porque metade dos meus textos, em alguma linha, faz com que o leitor sinta um pontapé nas tripas. Falo isso porque só quem já achou que morreria de dor de amor sabe, de verdade, o que é viver de amor, e como essa sensação é maravilhosa. Quem nunca perdeu alguém dificilmente enxergará a beleza de se perceber, graças ao timbre eufórico de um “obrigado”, que se ganhou alguém. Quem nunca sofreu de amor nunca entenderá, plenamente, a beleza fugaz – e sempre sobre a corda bamba do acaso – que o amor carrega. O que é o amor senão uma anestesia para as tragédias que, ironicamente, porta um inevitável potencial de se tornar a causa pra uma dor que não finda nem com morfina? Aliás, o que faz passar a dor e amor? Só mesmo Leonardo, pinga e a crença de que correr os inevitáveis riscos de se sentir dor de amor é o único caminho possível para termos alguma chance de sentir o máximo que o amor pode proporcionar. E não é pouco, acredite.

    Se “um homem que carrega uma dor é muito mais elegante”, como bem afirmou Leminski, imagine só a elegância daqueles que carregam uma dor de amor, ou várias. Deixam qualquer Armani no chinelo, podem apostar.

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