Até quando vale a pensa persistir? Eu diria que nunca é demais quando se trata de amor. Principalmente porque se relacionar com outra pessoa, que possui uma história de vida, uma criação, valores completamente diferentes dos nossos, é ainda mais difícil do que encontrar a misteriosa combinação de cores do cubo mágico. A nossa tendência é pular do barco logo na primeira turbulência em busca de marés mais calmas. Mas se a gente não toma cuidado, a busca jamais termina e o nosso navio nunca se ancora por muito tempo em nenhum porto. É preciso tranquilidade para se adaptar a uma relação e mais do que isso, é necessária muita paciência para entender que nem sempre a engrenagem toda funciona de imediato.
É o mesmo mecanismo de funcionamento de uma grande linha de produção. Se o produto bruto inicial não estiver em perfeito estado, ele não consegue progredir com sucesso para a próxima etapa da fabricação. Assim, são os relacionamentos. O problema é que a gente cultiva o mal do novo século, a ansiedade, que não nos permite esperar pelo tempo certo de maturação de uma determinada fase. Aí a gente logo se irrita quando alguma coisa não sai como o planejado. Nota diária mental: a vida é um segundo após o outro. Querer viver lá na frente só atropela o caminho natural do crescimento a dois.
A maioria das grandes parcerias saudáveis não brotou do nada. Teve muita briga, muito desentendimento, muita cara fechada, muito choro, telefone desligado, várias reconciliações, inúmeros terminei hoje, mas voltei daí a dois dias, faz parte. É desse jeito que se aprende a melhor forma de dar continuidade àquele caminho. Depois que a gente compreende como é o outro por dentro, se trabalha a confiança, feito isso se busca a paciência, em seguida chega-se a um acordo sobre qual a melhor saída para dar um fim no problema das roupas jogadas em cima da cama, e assim por diante. Convivência é lição diária de que se existe um defeito na “terceira etapa da linha de produção” todo o restante fica comprometido.
De fato, tem quem ache que relacionamento saudável é igual filme de conto de fadas. Não pode se desentender, não pode existir incompatibilidades, tem que ser zero dor de cabeça, mas convenhamos, pode saber que no namoro da sua amiga lá que você adora comparar com o seu nem tudo é como parece. Ou alguém é muito anulado a ponto de não discordar de nada, ou o medo do outro de ficar sozinho é tão grande que ele aceita tudo que é imposto. Em todos os casos, isso não é nem de perto uma parceria “ideal”. É normal demais o motor dar umas engasgadas até se certar o ponto da ignição. Só que até lá vai ter mala arrumada para ir embora sim, vai ter vontade de jogar tudo para o alto sim, vai ter dez, vinte, trinta chances sendo dadas sim.
Então, sempre que alguém me questiona se deve dar uma nova chance a uma relação que já recebeu inúmeras oportunidades eu sempre digo: se existe amor, ofereça quantas forem necessárias. Tem casal que entra em acordo logo de terceira, outros podem levar bem mais tempo. Isso não minimiza a força do sentimento da segunda, muito menos é indício de durabilidade da primeira. Amar, mais do que o amor, exige da gente persistência e permanência. Bom senso para saber quando é só mais uma gota ou quando o copo está transbordando por inteiro, e muito discernimento para conseguir manter o respeito até que o relacionamento atinja o patamar desejado.
Quem dera fosse fácil como na tela do cinema, acontece que na vida real as bruxas aparecem com muito mais freqüência. Claro que à medida que se acostuma a vencer os pequenos desafios da rotina, em breve eles se tornam banais. Até lá, é preciso aprender a lutar. Na era dos relacionamentos descartáveis é essencial que haja disposição para ficar. “Ah, mas a gente já tentou outras vezes e não deu certo”. Vocês se amam de verdade? Então tenta de novo, e de novo, e até onde a sua estrutura emocional permitir. E tenta de coração, sem ficar remoendo mágoas de tentativas passadas. Abram as cartas na mesa, eliminem todas as vírgulas e reticências, e recomecem de alma lavada.
O amor é um ciclo infinito de possibilidades. Esgotar todas as nuances daquela fonte, antes de buscar abrigo em outros ninhos. Lindo mesmo é olhar para trás e poder sentir orgulho da história do casal até ali. A superação, a maturidade, a força do laço que se construiu com muito empenho. O que desgasta a gente é a expectativa e não a relação. Que possamos, portanto, diminuir o ritmo e navegar calmamente seguindo a direção dos ventos. A diferença entre uma lancha e um cargueiro é que um chega inquestionavelmente mais rápido do que o outro em um mesmo destino, mas o último vem com muito mais bagagem e milhares de experiências inigualáveis ao longo da travessia.