Nenhuma sensação pode ser mais libertadora do que deixar de se importar com aquilo que um dia foi capaz de nos tirar o sossego. Nem tirar o sutiã depois de um dia inteiro de aperto, nem rebater sarcasticamente uma piada machista do tio do pavê, nem conseguir uma nota boa numa prova para a qual estudamos muito: o foda-se é mais libertador do que qualquer coisa no mundo.
As decepções são insistentes, eu sei. Elas se deitam ao nosso lado. É possível sentir o seu hálito de enxofre em nossos pescoços. Volta e meia deixamos que elas nos despedacem quando deveríamos, de fato, usar o nosso tempo para a única coisa que importa na vida: ser tão feliz quanto merecemos.
Acontece que deixar que algo – ou alguém – que nos decepcionou ainda permeie nossos pensamentos é como boicotar a nossa própria felicidade. É como guardar com cuidado um veneno que exala em nosso leito e nos mata um pouco a cada dia.
É difícil matar quem nos feriu, mas, acredite, não há nada mais salutar: aniquilar das nossas vidas – e dos nossos pensamentos, também e principalmente – lembranças que nos maltratam, fazer as pazes com nossas certezas até nos darmos conta, com um sorriso aliviado, de que o que o outro pensa ao nosso respeito não nos diz respeito. Nós nos pertencemos, afinal.
Quem te feriu morrerá, primeiro, dentro de você. Deixará de ser importante até transformar-se numa penumbra ignóbil, num incômodo quase risível e facilmente esquecido.
Depois, fatalmente, suas decepções morrerão de fato, morrerão em si mesmas. E quem tanto insistiu para matar o seu sorriso perceberá que a sua indiferença é um tiro fatal e inevitável, porque, verdadeiramente, nenhum mal é capaz de te atingir: você está curado de dentro pra fora.
Deixe morrer os seus monstros, os seus inquisidores, os seus algozes e os seus pesos desnecessários. Toda a leveza que você precisa e merece depende da coragem para matar os seus fantasmas.
Ilustração: Daniel Gnattali