Nessa semana acordei com a notícia chocante de que uma menina de dezessete anos fora estuprada por trinta homens no Rio de Janeiro.
A revolta que sempre me acomete quando me chegam relatos de estupros ou feminicídios deu espaço a um luto feroz, mas não menos melancólico, por esta cujo rosto jamais vi e por tantas outras estupradas e mortas todos os dias no meu país, no meu estado, na minha cidade, no meu bairro, do meu lado.
Eu não tenho adjetivos para estes homens porque é difícil até mesmo me referir a eles, é difícil saber que existem e que eu preciso mencioná-los, mas ainda há quem os chame de doentes. Como se fosse possível que trinta homens com a mesma doença estivessem no mesmo local, na mesma hora e decidissem cometer a mesma barbaridade.
“Doente mental” sempre foi utilizado pejorativamente, mas em tempos de desconstrução, chamar esses trinta monstros de doentes é uma ofensa aos que realmente estão acometidos por doenças mentais. Crueldade não é doença, machismo não é doença e estes monstros são, portanto, perfeitamente saudáveis e imputáveis.
Trinta homens estupraram uma mulher de 16 anos. Destes trinta, nenhum foi capaz de impedir a barbárie. Nenhum deles foi capaz de sentir-se minimamente indisposto ao ver uma mulher estuprada, humilhada e ensaguentada no chão. Todos compartilharam da mesma crueldade porque todos foram paridos pela mesma cultura patriarcal.
E por mais que nos doa, nós precisamos admitir que esses trinta homens não são doentes. São homens comuns. Trabalham, estudam, vão ao supermercado, tomam café da manhã na padaria, checam seus e-mails. Eles têm mães, têm filhas, têm amigos. Você pode ter cruzado com um deles na fila da balada. Você pode ter trocado um olhar cortês com um destes homens quando ele lhe deixou passar com o sinal fechado.
E por mais que, inegavelmente, eles sejam uma aberração, eles estão perto de nós.
Esses homens provavelmente têm amigas mulheres que são obrigadas a ouvir piadinhas de estupro, exatamente como nós ouvimos de nossos amigos homens. E essas amigas decerto sequer desconfiavam que poderiam ser elas no lugar da mulher ensaguentada de dezessete anos, mas, sim, poderia ser cada uma delas. Poderia ser eu e poderia ser você.
Vivemos num país onde um comercial com beijo gay assusta mais do que uma menina sendo brutalmente violentada diante de nossos olhos. Num país em que meninas são ensinadas a como se comportar para não serem estupradas, ao invés dos homens serem ensinados a não estuprar. Num país em que a cada 11 minutos, uma pessoa é estuprada.
E isso só nos alerta para a urgência em politizarmos nossos afetos. Se ele é “uma pessoa maravilhosa” mas acha que machismo não existe, ele não é uma pessoa maravilhosa. Se é o seu amigo, o seu irmão, o seu pai, o seu professor, o seu tio do pavê… não interessa. Homens que reproduzem o machismo são, sim, estupradores em potencial e nós precisamos cortar qualquer laço com eles antes que seja tarde demais.
Somos obrigadas a conviver com o machismo diariamente. Somos bombardeadas em nossas casas, em nossas timelines, em nossos círculos sociais. Eventualmente acordamos com a notícia de um estupro coletivo ou de um feminicídio. De fato, há muitas coisas que nós não podemos evitar, mas nós podemos evitar a convivência com homens machistas através do exercício não tão simples de politização de nossos afetos.
Se você está tão chocada com (mais) este estupro coletivo, por gentileza, choque-se ainda mais. Choque-se a ponto de desconstruir qualquer mísero resquício de machismo a sua volta e transforme a dor dessa moça de dezessete anos, a sua dor, a minha dor, a dor de todas nós em forças para lutar.
Na violência contra a mulher, todas nós metemos a colher. A dor de uma é a dor de todas. Seguiremos na luta.