Era uma viagem curta para a casa da minha mãe no interior e eu não fazia a menor ideia do que fazer com o meu gato. Gatos detestam movimento e frodo certamente ficaria agitado, no mínimo, tendo que permanecer pelo menos três horas inunterruptas em uma bolsa de transporte que mal lhe cabia o corpo.
“Aguente firme, baby”, eu dizia, como se ele pudesse compreender – e, aliás, quem garante que não pode? – enquanto colocava-o desajeitadamente em seu novo habitat temporário.
Ele fez questão absoluta de demonstrar o próprio descontentamento. Eu caminhava levando uma mochila surrada e uma bolsa de transporte de animais de onde emanava um miado insistente e nervoso. a caixa se mexia estranhamente (porque o meu gato temperamental simplesmente debatia-se) e as pessoas me olhavam como se dali fosse sair um demônio.
Minha mãe nos recebeu sorridente, embora jamais tenha gostado de proximidade com gatos – o que o amor por um filho não faz?
Eu deixei a mochila num canto, apoiei a bolsa de transporte no chão e abri a portinha minúscula. O felino colocou a cabeça para fora com o par de olhos mais desconfiados que eu já vira. Farejou cada canto da sala: a mesa central, o tapete, as almofadas e os pés da minha mãe, até concluir que aquele era mesmo um lugar no qual ele nunca pisara antes, no qual nenhum gato pisara antes.
Nós olhávamos atentas cada passo que ele dava. Ele encarou a bolsa de transportes com um semblante indecifrável, caminhou até ela, farejou-a por três segundos e enfiou-se novamente portinha adentro.
Às vezes, pensei, nossas prisões são os únicos lugares nos quais nos sentimos seguros.
Era aquele, afinal, o único lugar minimamente familiar para ele. Ele tinha medo do novo, como eu tantas vezes tivera; era melhor voltar àquele lugar que era realmente medonho, mas que pelo menos tinha o cheiro dele. Havia um pouco de conforto em estar em um lugar onde se já estivera antes, mesmo que esse lugar não fosse desejável.
Eu senti uma compaixão profunda pelo meu gato medroso e uma ponta de orgulho egoísta pela certeza de que eu jamais enfiei-me de volta portinha adentro.
Encarei ambientes alienígenas em que absolutamente nada me era familiar, farejei cada canto e permaneci lá, mesmo que desesperada, até que as coisas voltassem a fazer algum sentido.
Mudei de uma casa confortável e que já tinha a minha cara e o meu cheiro para um lugar que talvez cheirasse a mofo e tivesse um encanamento problemático ou uma vizinhança inconveniente, porque, afinal, era preciso arriscar. (mas eu tive medo, muito medo, então eu compreendo intimamente a atitude pouco corajosa do meu amigo felino).
Abandonei a profissão que talvez me desse dinheiro e algum conforto.
Abandonei muitas coisas, na verdade, e estava convencida de que o fiz para tentar ser feliz. Agora penso que fiz, na verdade, para tentar ser livre, o que, para mim, é o mesmo que ser feliz.
Eu não permaneci na minha bolsa de transporte confortável, minúscula e torturante, porque, eu sabia, o mundo era grande demais para não ser desbravado por medo. (Frodo concorda comigo, porque depois de algumas horas desbravou aquele novo mundo a ponto de ir parar na cama da minha mãe).
A liberdade é para os corajosos.