Enfim, você é livre. A sensação de ser dono de si nunca foi tão óbvia nem tão assustadora. Você está vendo a sua vida e o seu futuro diante dos seus olhos e sente que pode fazer qualquer coisa no mundo, desde que consiga escolher. A vida te diz, com algum entusiasmo: “Agora é com você”, e isso é tão delicioso quanto desesperador.
Você quase vive a crise das possibilidades – aquela em que tantas coisas são postas diante de nossos olhos que sentimos a vertigem de uma infinidade de opções possíveis.
Essa sensação precisa acontece muito, mas em momentos muitíssimo pontuais (a não ser que se esteja violentamente amarrado à velha vida de gado, em que tudo é vivido com marasmo quase robótico).
Quando precisamos escolher uma profissão, quando terminamos um relacionamento, quando perdemos o emprego, quando sentimos que precisamos mudar de cidade – enfim, todas as vezes em precisamos tomar qualquer decisão, importante ou nem tanto, temos a vida inteira diante de nossos olhos.
Em geral, grandes escolhas são precedidas de grandes crises – então, se estamos todos em crise e em boa parte de nosso tempo, está tudo bem, porque crises podem ser entendidas, para os otimistas e entusiastas da vida, como momentos de virada, oportunidades valiosas para tornarmos a nossa existência menos banal.
Estar em crise significa, necessariamente, que você é livre para escolher, e não se pode dizer taxativamente se isso é bom ou ruim, já que a responsabilidade de pertencer a si mesmo é imensa e nem todos têm coragem de assumi-la – daí a vida de gado, daí as escolhas programadas, as tendências fáceis de serem seguidas, os scripts boicotadores da liberdade, e daí, enfim, os conselhos inúteis e os manuais práticos sobre a vida imprevisível e, em tantos momentos, impraticável.
Manuais não servem para nada. Nunca usei nem mesmo os manuais de eletrodomésticos – são muito confusos, prefiro a prática – muito menos manuais sobre a vida, e menos ainda manuais sobre como exercitar a liberdade – a liberdade é justamente rasgar os manuais.
Há muitos conselhos óbvios e praticamente irrefutáveis: evite relações tóxicas, mantenha por perto as pessoas que te fazem bem, conheça o mundo, aprenda outro idioma, transe sem culpa, esqueça a rotina fitness… todos eles inúteis, como já dissemos.
Almas livres não gostam de respostas prontas, precisam ser desafiadas com alguma frequência, precisam de anti-manuais, precisam enfrentar, sozinhos, o peso das escolhas e a crise das possibilidades, ainda que doa.
Doem as mudanças, como dói o próprio crescimento, qualquer que seja, mas, inevitavelmente, essa é uma responsabilidade pessoalíssima e intransferível. Não há respostas, e tudo bem, porque são as perguntas que realmente importam.
As escolhas são sempre certas desde que te ajudem a crescer. Assegure-se apenas de não se poupar das crises.