Você disse que eu não aguentaria, que eu jamais iria embora e que a saudade me traria de volta. Mas eu segurei firme, mesmo sem teu cheiro de banho recém tomado, sem tua conversa jogada fora no congestionamento e sem tua bagunça espalhada pelo quarto. Eu pensei ser impossível, achei que não daria conta, mas por fim sobrevivi, reconstruí o que você quebrou, peça por peça e redesenhei meus dias.
Vez ou outra a tua lembrança ainda me desmonta, isso é verdade, mas eu remonto, colo o que está trincado, suturo o que está rasgado, me recomponho e sigo andando. Meio sem rumo, meio trôpega, mas sem parar… Porque eu não posso parar e eu não quero.
Confesso que no começo foi bastante difícil ganhar esse mundo sem tua mão apertando a minha. Mas eu fui em frente, eu recalculei minha rota, replanejei meus natais e coloquei a baderna que você deixou, em ordem. Separei as tristezas em gavetas, bem no fundo do coração, compreendi que nelas ficam apenas as dores da vida e não é ali que eu encontro respostas, pelo menos não agora.
Deixei os sentimentos bons, as alegrias e o cheiro do mar nas prateleiras, à mostra, onde a mão alcança. Ao lado daquele livro recém adquirido, que pretendo ler mais tarde, junto com uma taça de vinho. Eu mudei o cabelo, mudei o jeito de vestir, me permiti aquele vestido de botões que estava encostado há um tempo. Arranjei outro emprego, outros desafios e fiz uma nova roda de amigos. Gente com quem você não conversaria porque não é seu tipo, gente que na verdade é meu tipo, gente como eu e com quem eu deixei de falar para tentar ser um pouco de você.
Tô ouvindo umas músicas que você não acreditaria, sempre achei meu gosto musical melhor, desculpa mas eu nunca gostei das suas playlists. Agora sou eu quem coloco o disco para rodar e adoro dedicar horas buscando sons novos, bandas desconhecidas e com letras que me tocam de verdade. Ah, e eu danço muito, todo o tempo, finalmente encontrei meu espaço para dança e minha própria melodia.
Eu to me permitindo, viver, além de você. Eu coloquei os pés no atlântico e no pacífico, eu tomei café lendo um livro de poesia e vendo a neve cair. Eu peguei trens, aviões e até carona. Eu deixei a liberdade me envolver e a estrada me ganhar. E eu te vi aos poucos sumir em meio a paisagens estrangeiras.
Você foi uma parte enorme da minha vida, uma parte tão grande que quase acreditei ser a vida inteira. Por sorte reencontrei meu eu, me enxerguei no espelho e vi no reflexo que ainda havia muito para ser vivido. Não me deixei afundar pela tristeza do meu “não- final feliz”, dei jeito de colocar um novo parágrafo após o fim da nossa história e eu continuo escrevendo, não mais a nossa, apenas a minha. Você foi sim um capítulo dela, mas definitivamente não foi o clímax do meu enredo. Porque eu sei que a melhor parte ainda está por vir e agora estou pronta para ela.