• Só resta mudar o passado
  • Só resta mudar o passado


    “O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior dele é o tempo. O tempo ataca em silêncio. O tempo usa armas químicas”, assim escreveu o maior dos nossos, com toda a razão de sempre, Luís Fernando Veríssimo. Maldito, bem dito o tempo. O tempo futuro, disse ela, não vai acontecer agora, como era previsto. O tempo futuro dela, é dela, nada posso fazer além de lamentar e torcer para que a moça da TV anuncie sol forte, céu azul, sem nuvens nem mesmo na furadas previsão do telefone. Já o tempo passado é dela, mas tem um pedacinho meu também. E desse meu quinhão, faço o que bem entender.

    Uma vez li um filósofo que gosto muito dizer que o passado existe não somente para lembramos, mas também para muda-lo. E se é possível uma ação tão sobrenatural, próxima de Deus, de alterar tempo e espaço, reside justamente aí, em mexer com o passado. Não significa transformar eventos, fatos, mas sim imaginar atitudes e palavras que poderiam ser ditas, fazer daquela lembrança um estímulo, um aprendizado para as pessoas que somos hoje. Bem, era a desculpa que eu precisava, atestada por um estudioso, não vou passar recibo de louco sozinho.

    Aí acordo todos os dias, lavo o rosto, coloco uma música, faço o café, quando tem uma torrada, bom, quando não tem, faz-se o quê? Dou uma olhada no e-mail antes de sair, passo os olhos pelo celular. Tento manter minha mente ocupada nessas primeiras horas do dia, como se tudo isso funcionasse para me fazer esquecer que você foi. Você foi. Sinto uma saudade danada, mas a falta de açúcar para o café e a anotação mental que me manda passar pelo supermercado é um belo placebo para a tua ausência.

    Já que no caminho é impossível não pensar em você, dou logo de cara, do portão, nas referências se esfregando na minha mente, utilizo do poder recém me concedido de poder alterar o passado. Passo ali por aquele banco e lembro de nós dois, rindo muito, à toa, à vera, teus olhos faiscantes pela loucura noturna e pelo vinho. Eu ali, hipnotizado, concentrado em não deixar a bola cair, o sorriso sumir e, principalmente, em encolher a barriga. Hipnotizado por aquela beleza, aqueles olhos que sorriem, aqueles olhões, o vermelho no cabelo dado pela luz da lua, ah, aquela boca. Passo pelo banco vazio e penso que, no lugar de me preocupar com histórias e piadas, deveria era ter te dado um longo beijo logo, de cara, daqueles beijos que te fazem sentir epifanias, daqueles beijos que automaticamente transmitem almas de lado a lado e te faz se sentir seguro, a casa no cangote. Mas não. Esperei até o último momento.

    Passo por aquele banco, agora com uma mãe grávida admirando a filha pequena brincar. Ela está sentada no fim da ondulação que do espaço que você ocupou naquela noite. E aí me lembro como teria sido se tivéssemos realizado todas as promessas que fizemos naquela noite louca. Teríamos ouvido todas as músicas que gostaríamos de mostrar um para o outro. Beberíamos aquele vinho caro, que nunca experimentei. Teria experimentado teu gosto, mapeado todas as pintas e sardas do teu corpo, até ficar com as pernas bambas. E ainda nem falei do mais importante: aquele churrasco que você prometeu.

    Todas essas realidades alternativas me consolam e me divertem enquanto caminho para o trabalho. É preciso distrair a cabeça para o corpo na sofrer com a subida logo ali. Quando chego no topo, o suor já escorre e avisa: nada que teria feito diferente garantiria o futuro como eu queria. Eu sei. Se o desenrolar não existe, existiu a história base.

    Duas almas perdidas se divertindo, se curtindo, rindo das pedras no caminho. Seja lá por onde você estiver, vou sempre torcer, sempre vou estar do teu lado. Mesmo que pra isso seja também torcer por você em outros braços, bancos, luas. Fico por aqui, agradecido, por ter me consentido aqueles momentos. Foram rápidos. Mas me fazem acreditar que a magia, milagres, ainda podem acontecer, quando menos se espera, sem pedir de joelhos. Passo por aquele banco vazio, me encho de esperança, ando pra frente, de olho na ladeira, que enfrento, com as forças renovadas que o teu olhar faiscante, o beijo quente, me deram. Renovação da esperança, da magia e da alegria. É esse o significado do ano-novo, não?

    ass alexandre


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