• Uma pequena porção de ilusão
  • Uma pequena porção de ilusão


    Sempre me orgulhei por ser um cara extremamente sincero, do tipo que sem muito pensar responde “não gostei” quando questionado sobre um novo corte de cabelo ou sapato. Hoje, porém, estou revendo a necessidade de ser ininterruptamente e totalmente sincero. E quer saber? Sinto que estou me tornando uma pessoa muito melhor e mais cordial, mesmo deixando a sinceridade de lado em várias situações. 

    Pela minha família e escolas nas quais estudei, eu sempre fui ensinado a não enganar nem mentir, sendo assim, ser sempre sincero – mesmo que de maneira exagerada – por muitos anos me pareceu um grande diferencial, algo que me distanciava dos caluniadores. Contudo, após perceber o poder destrutivo de algumas verdades desnecessárias, mudei de opinião: penso que, às vezes, o melhor mesmo a fazer é deixar minha real opinião guardada e mandar uma mentirinha de leve, a fim de não ferir sentimentos nem frustrar.

    Quando um amigo que não treina muito e, mesmo assim, quer ser lutador de jiu-jitsu profissional me pergunta se acho que ele está seguindo o caminho certo, sou sincero até a tampa e, na lata, respondo: “Não, desse jeito você sempre será um amador. Mais um que não chegará a lugar algum”. E faço isso porque o incômodo momentâneo gerado pela minha opinião verdadeira me parece muito pequeno perto do sofrimento que ele pode vir a sentir caso não mude de postura. Saca? Por outro lado, quando um camarada me mostra uma tattoo recém-feita, mesmo que eu não a tenha curtido, mando um “da hora”. Se eu sei que a parada é eterna e que nada acrescentarei se dizer que achei uma merda, por que não ajudá-lo a se sentir mais confiante, né? É óbvio que não serei “Falsiano” a ponto de dizer “Carái, posso enquadrar sua pantera negra quando você morrer?”. Aí já é demais! Se o cara me pergunta antes de fazer a tattoo, por exemplo, aí a coisa pode ser diferente… “Tô pensando em fazer este palhaço nas costas, o que acha?”. “Acho que não pegará bem no próximo enquadro! Você não assiste ao Polícia 24 horas, não?”. 

    Antes de dar uma resposta, eu tento entender o real motivo por trás da pergunta. Muitas vezes o questionamento ocorre porque a pessoa está insegura em relação à própria opinião e sente necessidade de alguém para reforçá-la, manja? Ela comprou o vestido novo porque gostou dele, certo? Então, mesmo que eu não tenha curtido, direi que ficou bonito. E assim, de alguma forma, eu sei que estou fazendo com que a opinião dela – a mais importante quando o assunto é o vestido que ELA vai usar – prevaleça. Se ela ainda nua e de toalha enrolada na cabeça me dá três opções, porém, é bem diferente… Porque nesses casos eu sei que ela está indecisa e realmente precisa da minha sinceridade objetiva. E por aí vai…

    Além disso, há também aquelas mentiras que mando para benefício daqueles que eu amo e, consequentemente, para o meu. Afinal, tem coisa mais gostosa do que causar um sorriso no rosto daqueles que amamos? Não captou? Quando meu café chega à mesa, por exemplo, eu ofereço o chocolatinho que o acompanha à minha namorada. Então ela me responde: “Você não quer?”. E em vez de ser sincero e dizer “Quero muito”, eu afirmo que não tô a fim, e ela, imediatamente, devora o quitute e sorri; fazendo-me sorrir também, muito mais do que o chocolatinho me faria. Saca? Tem também as vezes em que ela, após receber um presente, olha-me com cara de assustada e me pergunta: “Não foi muito caro?”. Se fosse para falar a verdade, eu responderia: “Caro é pouco! Parcelei em doze vezes e, mesmo assim, terei que dirigir Uber de madrugada e me tornar colunista de um site de fofocas para pagá-lo. Se é que eu não vou ter que vender meu rim no mercado negro, né?”.  Mas, por saber que o gasto já está feito e que ela se sentirá linda dentro do presente, eu simplesmente respondo: “Que nada! Comprei na Black Friday.” Mesmo sabendo que a Black Friday é uma puta mentira.

    Às vezes, depois de um dia de merda, só precisamos de um “Amanhã será melhor, eu garanto”. Uma pequena porção de ilusão

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