Minha mãe adora chuchu. Ela coloca na salada, faz suflê, sopa, empada e uma outra infinidade de coisas que, para mim, ficariam melhores com queijo e bacon. Mas gosto é gosto, dizem por aí. Eu particularmente nunca gostei de nada insosso, sem sabor ou sem ardência na ponta da língua. Isso me vale para a salada de chuchu e para a vida. Se não me atiçar o paladar, não me convém.
Porque eu gosto mesmo é do que me tira do estado de apatia, do que me inquieta o cérebro e bota para pensar. Eu tenho uma queda por quem me intriga, desafia e rouba o controle. Esse gosto pelos limites da vida, por vezes me mete em encrencas não previstas, admito, mas por outra ótica, me faz desfrutar prazeres que eu não teria acesso, estando sentada no tédio de uma sala com ar condicionado e tv à cabo.
Talvez eu soe dramática e até ranzinza, mas ainda não consegui acompanhar a agilidade do desapego moderno. Parece que estamos vivendo de relações rasas, diversão rápida e conversas adiadas. Você recebe a mensagem e deixa ela lá, guardadinha, para ser lida e respondida depois. Você grita sua independência e satisfação pessoal nas mesas de restaurantes badalados, em encontros marcados por aplicativos e em festas de família. Como se não precisasse de quem está ali, de fato, ao seu lado. Como se conexão, empatia e afinidade pudessem ser medidas por curriculum online, cheios de fotos com sorrisos entorpecidos pelo afã de manter um status constante de felicidade.
Somos mornos. Como café requentado de repartição publica envelhecida. Somos narcisistas. Não precisamos dos elogios alheios, nossos livros de auto-ajuda ensinaram e nossas redes sociais externaram. Mas nós mentimos. Todo o tempo, com voracidade. Estamos carentes e por baixo do discurso de “tô ótimo”, vivemos tentando chamar a atenção e garantir um pouco de amor para degustar como sobremesa, depois de comer aquele prato enorme de sushi, porque sushi rende mais “likes”, claro.
Fingimos interesse no trabalho, ignorando completamente a vontade de levantar da mesa e mandar o chefe pastar. Fingimos sentimentos, para ter orgasmos fingidos com pessoas que não nos enxergam, em parte porque nós mesmos não permitimos. Fingimos concordar, quando por dentro estamos ridicularizando o interlocutor sentado à nossa frente, no boteco pós-firma.
Estamos ficando sem assunto. Temos manchetes de jornais decoradas, discursos ensaiados e monólogos completos sobre qualquer coisa, que tenha sido pauta recente no facebook. Mas basta alguém discordar e lá estamos nós, perdendo o rebolado, a linha de argumentação e até o respeito. Nos tornamos incapazes de manter uma conversa que aprofunde, fique intima ou que faça pensar.
Nos medimos, todo o tempo, comparamos e prescrevemos nossos próprios medicamentos. Aquela viagem para Búzios, o apartamento no condomínio que a fulana mora, o carro com design do ano, o curso na Europa, as pernas da modelo, o cabelo do cantor… E assim, a vida de qualquer estranho parece melhor que a nossa, com muito mais contraste e brilho nas cores. Enquanto nossas imagens, aparentam sempre tons de sépia.
Tá faltando paixão. Aquela que te movimenta o corpo, aquece a alma, arrepia a pele, deixa os olhos úmidos e faz querer viver. Tá faltando perder o medo de mergulhar fundo, de largar tudo e recomeçar, mesmo que do zero, apenas com coragem de correr atrás dos sonhos que não nos deixam dormir. Falta dar atenção para o que se tem nas mãos e dar valor para quem está perto.
Falta aprender a não surtar por pequenezas, que embora pareçam implicâncias cotidianas, tem mais poder de destruir relações que as grandes tormentas. Precisamos de mais fôlego, mais vontade de viver as coisas que temos e menos de ter mais coisas. Porque a vida é um negócio que passa pela gente mais rápido que trem bala, quando você vê, ela tá lá longe e você perdeu novamente o bonde.