Bate na porta. Não vai abrindo de uma vez – arrisca pegar a pessoa desprevenida. Pelada, roncando de perna aberta.
Quando a pessoa abrir – se ela abrir – vê se limpa os pés. Você nunca sabe se o que traz consigo é perfume ou sujeira.
Melhor entrar neutro, com os pés limpos, sem muitas expectativas, com os buracos da alma devidamente fechados – você os abrirá na hora certa, se tiver que ser.
Pode mexer nos discos. E nos livros. Ver os discos e os livros de alguém quase equivale a ver a alma desse alguém.
Presta atenção na música. E no filme. E nos olhos. E na curva que a boca faz quando fala o seu nome.
Cuide apenas de deixar tudo como encontrou.
Não marca o mundo do outro de propósito – as marcas bonitas a gente vai deixando sem querer. Aquela manchinha no lençol. Aquele perfume bem longe no travesseiro. Aquele isqueiro esquecido quase no fim. Essas coisas que a gente só lembra de vez em quando.
Toma cuidado com o assoalho e com as palavras. Palavra é danada pra entrar na alma e não sair mais.
Não vai falando qualquer coisa pra uma alma que você não conhece – fala só o que a sua alma mandar, porque as almas se entendem meio que por intuição. A gente não sabe o que fala, mas elas sabem.
E quando a gente deixa que alma fale, a gente consegue ser a gente, seja lá o que isso signifique.
Sempre pensei que se a gente estiver a vontade, a gente certamente está conseguindo ser a gente.
Então, se você por acaso entrar em um mundo que não é o seu próprio mundo e se sentir tão a vontade a ponto de ser você, regue esse mundocom vinho, abrace-o forte e cuide para que isso dure o quanto puder durar – nem mais, nem menos, só o quanto a vida deixar.
A gente não sabe o que faz, mas ela sabe.