“Reclame menos e agradeça mais”, um amigo que adora dar uma de guru me aconselhou um dia, depois de me ouvir metendo o cacete em tudo, igualzinho àqueles velhos ranzinzas que xingam até a chuva, coitada, que às vezes vem do nada.
E agora que o stress baixou, e que já consegui cancelar a NET, posso afirmar: ele estava certíssimo. Afinal, diminuir a cota de reclamações e aumentar a dose de agradecimentos faz muito bem – à saúde, inclusive. O excesso de queixas, na maioria dos casos, não nos deixa mudar o disco, aprisionando-nos em sentimentos turbulentos decorrentes de situações desagradáveis que já aconteceram e que nada, nada mesmo, podemos fazer para mudar.
Sendo assim, se você é do tipo que só maldiz, maldiz, maldiz… Recomendo que insira alguns “obrigados” em sua rotina. No entanto, como tudo na vida exige equilíbrio, também faço questão de alertar: cuidado para não exagerar na dose, a ponto de transformar a gratidão em ato totalmente mecânico e sem sentido, como tenho visto por aí nas timelines e avenidas da vida.
Depois que agradecer feito um papagaio – mesmo quando o melhor a fazer para aliviar é soltar um sonoro “que caralho!” – entrou na moda graças à influência de coaches de felicidade formados sabe se lá onde e gente que finge (quando posa para selfies, ao menos) ser capaz de madrugar todo dia sorrindo, não me espantaria nem um pouco ouvir/ler declarações do tipo: “Universo, muito obrigado pela picada de aranha-marrom que tomei semana passada. Meu testículo esquerdo necrosou, por muito pouco não o perdi, contudo, graças aos dias que passei no hospital comendo comida sem sal e imaginando a vida com uma bola só, aprendi lições importantes e me tornei uma pessoa melhor”, “Hoje uma pomba piolhenta cagou uma gosma verde na minha cara, bem no nariz. #GRATIDÃO!”, “Depois de descobrir que meu namorado estava tendo um caso com o Paulinho, personal trainer dele, eu simplesmente agradeci. Engoli a decepção, sublimei a raiva, e disse ‘obrigado’, bem alto, pela chance que a vida me deu”…
Sabe o que é? Ando meio de saco cheio dessa gente que tenta, a todo custo, reduzir-nos a robôs sem coração capazes de controlar a raiva e as lágrimas sempre; seres programados a agradecer mesmo naqueles momentos em que nada desafoga mais do que um vai “tomar no cu, vida de rola, sua cuzona!” seguido de um brigadeiro de panela comido com voracidade.
Como já disse no começo deste texto, o “obrigado” é essencial, ô se é! Porém, ignorar a capacidade que só os palavrões e reclamações têm de nos dar alívio imediato me parece uma grande besteira, uma forma de ignorar a humanidade da qual não conseguiremos nos desvencilhar nem depois de cem livros de autoajuda. Mais do que isso: sinto que o excesso de gratidão postado por aí a torto e a direito tem feito com que algumas pessoas se sintam verdadeiras criminosas quando, em vez de “obrigado, galáxia”, têm mesmo é vontade de levantar dos dedos do meio – até os do pé. E a culpa por algo que é natural, a meu ver, só intoxica.
“Há hora para tudo nesta vida”, minha avó me dizia quando eu, feito um tubarão, rodeava o bolo ainda cru, antes mesmo do almoço. E hoje, muitos anos depois, ao concluir que um “vai tomar no cu” sincero vale mais do que um “obrigado” forçado, finalmente entendo o que ela queria dizer. Entendo e faço questão de complementar: “Há hora para tudo nesta vida, até mesmo para aquele ‘vai se fodê!’ que alivia mais do que meditação seguida de chá de camomila e frases-motivacionais-caça-likes que, na teoria, funcionam muito melhor do que na prática.