• Sobre Borboletas Fugitivas no Estômago
  • Sobre Borboletas Fugitivas no Estômago


     – Gravei uma fita cassete para você. É uma compilação das músicas que eu ouvia nos meus primeiros relacionamentos. A música pode fazer as coisas parecerem mais reais, às vezes.

    – Obrigado.

    – Eu também incluí algumas músicas de rompimento no final, caso as coisas não deem certo.   Óbvio, não é o que se espera, mas pode acontecer. Paixão raramente dura, eu receio.

    O diálogo acima é do filme Submarino, de Richard Ayoade (2010), e acontece logo após o pai “parabenizar” o filho Oliver por ter arrumando a primeira namorada ao auge dos seus quinze anos. Há quem possa achar o pai de Oliver pessimista ao extremo, mas ele está correto. Paixão acaba, tem prazo de validade. E quando ela acaba? Para onde vão as mãos suando, as tremedeiras, os calafrios pelo corpo, o coração disparando? E as borboletas no estômago?

    Há uma cultura através de filmes, livros, novelas, romances que desde cedo nos educa a acreditar que podemos viver permanentemente apaixonados. A do “felizes para sempre”, no qual o casal dá a impressão de consumir uma paixão eterna. Mas a realidade é outra, e nela não há espaço para a paixão durar muito mais que alguns meses. E quem afirma isso é a ciência.

    Assim que a paixão primeiramente ocorre, a química rola solta: substâncias provocam sintomas intensos e avassaladores em todo o corpo. Os mais evidentes são o aumento da pressão arterial, da frequência respiratória e dos batimentos cardíacos, a dilatação das pupilas, os tremores e o rubor, além de falta de apetite, concentração, memória e sono.

    Especialistas afirmam que, no auge da paixão, as alterações químicas são tão intensas e tão estressantes que, se perdurassem tempo demais, o organismo entraria em colapso. Mas essa loucura dura poucas semanas, no máximo alguns meses, já que as taxas hormonais vão voltando ao normal, o organismo se acalmando e o estágio seguinte, o amor – sem efeitos colaterais severos – vai tomando conta da pessoa.

    Foi-se a montanha russa, permanece o mar manso. A excitação fulminante e arrebatadora aos poucos vai dando lugar a um sentimento muito mais plácido e duradouro. Mas há quem confunda calmaria com tédio, quem não ache o bastante somente o amor, sublime amor, sem a paixão. Quem rejeite as tardes de domingos sempre pensando nas sextas-feiras à noite.

    O furor da paixão cede lugar à rotina do amor. Os dizeres “intimidade é uma merda” se mostram reais quando calcinhas beges começam a aparecer, cuecas roxas, meias furadas, depilação atrasada e máscara de pepino para o rosto antes de dormir. Parece que as borboletas fugiram do estômago, e junto com elas foram-se embora as atitudes do começo do relacionamento. E é aí que vem o desespero dos inquietos, que se apavoram com a ideia de se imaginar comendo macarrão com queijo e a mesma mulher nos almoços de domingo. Eles buscam a excitação adolescente, pulam de galho em galho querendo preservar o sentimento arrebatador e fugir das amarras de um cotidiano banal.

    Cada um escolhe a vida que quer viver, sim, muito obrigado. Mas muitos desses viciados em paixão sentem que há algo de errado e não entendem o quê. É que é preciso maturidade e estar disposto a saber lidar com o estranho amor para entender que a suposta calmaria pode sim se tornar algo muito interessante e com direito a frio na barriga. É que há aquela máxima de “só quero o que não posso ter”. Corações insatisfeitos? Não, apenas desatentos.

    Nos casos de paixão que se transformam em amor, as borboletas do estômago não fugiram, acreditem. Elas apenas adormeceram. Mas tenho certeza que vira e mexe elas acordam para dar uma bagunçada no que estava aparentemente, mas só aparentemente, quieto.


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