• Um dia na vida de uma pessoa ansiosa
  • Um dia na vida de uma pessoa ansiosa


    Por que eu já acordo com essa sensação de sufocamento no peito? Como posso ter um bom dia se nos primeiros segundos da manhã sinto como se o meu coração fosse sair pela boca? Será que essa é mesmo uma sensação física ou eu estou ficando louca? Eu dormi 7 horas ininterruptas, mas me sinto exausta. Como se não dormisse há meses. Preciso levantar. Preciso ir ao supermercado. Tenho duas deadlines hoje. Será que o pessoal lá da sala já fez o trabalho que é pra amanhã? Tomara que alguém me diga que ainda não fez, quem sabe eu me sinta melhor. Preciso levantar. Preciso escrever. Sobre o que eu vou escrever? Não quero escrever sobre o amor, nem sobre sexo, nem sobre a vida, nem sobre o novo escândalo de Temer, nem sobre ansiedade. Não quero escrever sobre nada. Mas tenho duas deadlines hoje. Também não quero levantar daqui. Mas eu não vou conseguir voltar a dormir. Vou ficar aqui fritando na cama e sentindo o coração pular? Eu preciso levantar. Vou fumar um cigarro. Dizem que aumenta a ansiedade – e consequentemente essa coisa no meu peito. Mas não consigo não fumar. Não hoje. Preciso trabalhar. Vou abrir o Facebook. Como são irritantes as pessoas do Facebook. Melhor trabalhar.É que nada é tão desesperador quanto uma tela do Word em branco em um dia de crise.   Melhor ler alguma coisa pra conseguir me concentrar. Por que eu não consigo passar da terceira linha? Por que quando eu consigo não entendo nada a partir da terceira linha? Preciso fumar outro cigarro. São 14h e ainda não sei o que vou almoçar. Tudo o que ainda tenho na geladeira – que na verdade é quase nada – está congelado porque eu não me lembrei de descongelar. De novo. Melhor comer só essa banana, que já vem pronta.Vai ficar tudo bem. Preciso ir ao supermercado. Preciso trabalhar. É que nada é tão desesperador quanto uma tela do Word em branco em um dia de crise. Melhor ouvir uma música pra conseguir me concentrar. Por que eu estou andando freneticamente entre a sala e a varanda? Qual era o plano, mesmo? Ah, ouvir música. Melhor mudar a música. Não aguento mais as minhas playlists. Por que há tanta música boa no mundo e eu provavelmente não conheço nem dez por cento delas? Por que há tanta vida e eu não vivo nem dez por cento dela? O que, afinal, eu estou fazendo com a merda do meu tempo? Já são 18h e eu ainda não almocei.A banana ajudou, mas agora não dá mais. Melhor pedir uma pizza. Por que essa pizza demora tanto? Qual a probabilidade de eles terem esquecido do meu pedido? Melhor ligar e conferir. Não esqueceram, disseram, mas ainda faltam quarenta minutos para a pizza. Será que eles vão errar de novo colocando o manjericão antes de levarem a minha margherita ao forno? Se fazer pizza é o trabalho deles, como não sabem que manjericão esturricado é um insulto?Pior: Como não saberiam disso se eu sempre peço que não esturriquem meu manjericão? Será que fazem de propósito? Agora tenho certeza que me odeiam. Tomara que não cuspam na minha pizza. Como vou comer essa pizza ciente da possibilidade de ela estar temperada com cuspe – ou coisa pior – porque eu sou a chata do manjericão fresco? Bem feito pra mim se eles cuspirem na minha pizza. Por que eu estou suando tanto? Talvez mais um banho resolva. Mais mensagens no meu celular. Eu não vou olhar o celular. É sempre um problema quando olho o celular. Mas a minha mãe pode estar pensando que eu morri, então é melhor olhar o celular. “Oi, mãe, estou viva.” As pessoas estão me chamando pra sair no Whatsapp, de novo. Eu sabia que não deveria ter olhado o celular, porque eu definitivamente não quero sair. Muito menos com pessoas. Mas o que será que vai acontecer lá? E se for a noite mais épica da história de toda a turma e eu não participar? E se alguém ficar profundamente magoado porque eu não apareci? E se eu tiver que explicar uma crise inteira para justificar o fato de eu não ter aparecido? Vai ver só estão me chamando por educação. E cadê a minha pizza? Foda-se, eu não vou. Preciso trabalhar. Estou realmente conformada com o fato de que hoje é impossível trabalhar ou ir ao supermercado ou viver a noite mais épica da história de toda a turma. Essa pizza não está tão boa quanto da última vez. O manjericão está esturricado, de novo. Aposto que fazem de propósito. Agora tenho certeza que me odeiam. Melhor fazer alguma coisa inútil até que exista um novo dia e eu possa, de novo, tentar ser produtiva e falhar miseravelmente. Ou não. Quem sabe seja diferente amanhã. Mas até chegar amanhã, eu preciso dar um jeito de fazer com que esse dia termine. Vou ver um filme. Mas tem que ser um filme fantástico, se não eu vou começar a prestar atenção no meu coração que quer sair pela boca desde que esse dia de merda começou. É tão difícil encontrar um filme fantástico na Netflix. Na verdade, a culpa é minha, que já vi todos.  Parece que tudo que eu ainda não vi na Netflix é lixo. Opa, menos esse. Esse parece fantástico. E eu ainda não vi. Play. Mas não me prendeu nos primeiros três minutos. Como confiar em um filme que não te prende nos primeiros três minutos? Serão duas horas e treze minutos perdidos na minha vida. Se bem que eu perdi vinte e quatro horas hoje e sigo viva. Play. Não foi um filme fantástico, mas pelo menos eu consegui ver até o final sem querer me atirar da janela de tanto tédio. Já são duas da manhã e ainda não dormi. Eu definitivamente não vou conseguir dormir. Melhor tomar um rivotril. Já são três da manhã e ainda não fez efeito. Será que estou viciada a ponto de não sentir mais os efeitos do rivotril? Será que preciso aumentar a dosagem? Ou preciso voltar no psiquiatra? Será que eu vou ser uma velha hipocondríaca, ansiosa e mal-humorada? Eu preciso parar de usar drogas tarja preta. Imediatamente. Mas não hoje. Hoje eu preciso de mais um, porque senão, definitivamente, não vou conseguir dormir. Não,  preciso de mais um. É só ver um filme chato que passa. Um drama hollywoodiano clichê. Ótimo. Mas eu ainda não quero dormir. São quatro e meia da manhã. Daqui a pouco é dia. Eu odeio muito quando o dia chega e eu ainda não dormi. O céu já está meio claro ou é impressão minha? Ele está meio claro, sim, porque já são cinco e quinze. Agora é oficial, eu preciso de outro rivotril. Por que eu já acordo com essa sensação de sufocamento no peito?

     ass_nathmacedo


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