• UM TAPA NA CARA DA SOCIEDADE
  • UM TAPA NA CARA DA SOCIEDADE


    Tenho ouvido muitas pessoas reclamarem do politicamente correto. Eu também o acho chato às vezes, por ele ser, muitas vezes, responsável por uma perda de espontaneidade, ao tentarmos sempre nos policiarmos para não dizer algo que não se enquadre dentro do politicamente viável. Não gosto de coisas extremistas, radicais, porque não acredito que as coisas sejam absolutas – acredito, sim, em diversas formas de percepção de um único objeto. E talvez por não me dar bem com radicalismo, digo entendo sim o valor do politicamente correto.

    Os que falam que acham uma besteira ter que falar afro-descendente ou não poder fazer piadas com homossexuais, muito provavelmente nunca estiveram no time da minoria. Eu adoro humor, principalmente se for inteligente, mas acho que deve ser muito chato ser sempre o motivo da piada – por que, por exemplo, gays são sempre motivo de chacota nas piadas? Por que ninguém faz piada de heterossexual? Por que ninguém faz piada de branco? De gente magra? A grande genialidade do humor está em rir do outro mas saber que, momentos depois, vai ser a vez dos outros rirem de você, como acontece no futebol, por exemplo. Agora, nesses casos, os homossexuais sempre têm que aturar as mesmas piadas e fingir que está tudo bem. Se reclamam, são vistos como chatos, como intolerantes, como mal-humorados. Mas ninguém pensa que eles passaram a vida toda ouvindo as mesmas piadas. Ninguém vê quantas delas eles tiveram que engolir ou quantos sorrisinhos eles tiveram que soltar, “só pra não ficar chato.”

    Por isso, acho que o politicamente correto tem que existir sim, enquanto as pessoas não tiverem o bom senso de se colocar no seu lugar e respeitar a trajetória do outro. Quem ofende um negro por sua cor, tem que ser punido sim. Assim como quem ofende deliberadamente qualquer outra minoria – mulheres, gays, deficientes, travestis, etc.
    Um tapa na cara da sociedade

    Outro dia assisti um vídeo com a participação do cantor Criolo no programa Show Livre, transmitido pelo UOL e apresentado por Clemente Nascimento. Sei que, num certo momento (no 3min30seg), o apresentador diz que alguém pela internet comentou que o Criolo parecia com o Freddie Mercure, só que com barba. Ouve-se risos no estúdio. O cantor, sorri e comenta: “Que ótimo, ele é um ícone, se eu for 10% do que esse cara já foi artista no mundo, já tá bom pra caramba.” O apresentador segue perguntando quem são as influências musicais de Criolo, que responde: “O Freddie, o Ney Matogrosso.. São ícones e estão acima de outras coisas que as pessoas falam.” Clemente, totalmente sem noção, tenta traduzir a afirmação do cantor: “O que ele está falando é que esses caras são ‘boiotas’ e ele não é ‘boiota’, entendeu?” Criolo, cheio de elegância e bom senso, retruca: “Já que você tocou nesse termo, eu respeito todas as opções das pessoas. Não vou rir. Até parece que é defeito o cara ser homossexual. Eu não sou homossexual e jamais vou usar como chacota esse tema.” O apresentador, totalmente desconcertado, tenta fazer graça de novo levando a discussão para o fato de que o politicamente correto tem estado cada dia mais chato. E Criolo, novamente, detona “A gente tem que ter a humildade de saber que podemos aprender com todas as pessoas. E saber que cada um está num momento da vida. Acho que esse lance da humildade e de respeitar a opinião da outra pessoa já é um bom começo.” Isso é o que eu chamo de um verdadeiro tapa na cara da sociedade – e na de um apresentador babaca.


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