• Manual (Nada) Prático  Para (Des)Entender as Mulheres
  • Manual (Nada) Prático


    Para (Des)Entender as Mulheres


    Para desentender as mulheres é preciso acordar cedo alguma vez na vida. É preciso passar uma noite inteira em claro e roer todas as unhas de uma única vez por nervosismo. É saber que ela não vai ligar, mas vai ligar assim que você desistir. É preciso abraçar um garçom, uma punhada de amigos e umas trocentas garrafas de algum destilado fatal. Para desentender as mulheres é preciso ter passado algumas horas com Neruda, Pessoa e Moraes. É preciso de tudo, ser atento ao seu amor. É extremamente preciso acordar atrasado e ter uma vasta gama de desculpas para convencer qualquer juiz a não decretar sentença de morte.

    Para desentender as mulheres é preciso renunciar o filme de ação e chorar feito uma menininha enquanto Marley é enterrado. É se fazer de forte na frente dos outros e guardar as inseguranças num cofre que quase ninguém tem acesso. Para desentender as mulheres é preciso ir em frente, dar meia volta, esperar que o espelho dê consentimento e estar sempre disposto a esperar por toda e qualquer ocasião especial que demande tempo. É saber que o jogo está ganho e perder no último minuto. É achar que não tem mais jeito e conseguir um gol de placa aos 45 do segundo tempo. É preciso abrir mão de ser só seu e ser de uma, duas, mil e uma ao mesmo tempo. É preciso entender que todas elas coexistem e que tudo o que você disser será usado contra você mesmo.

    Para desentender as mulheres é preciso ser do contra e achar que as entende. É escrever manual pra poeta, pra compositor e pra artista. É ensinar a cada um deles uma essência diferente, um rabisco original. Para desentender as mulheres é preciso se enganar a cada dia e recuperar o fôlego depois de uma caminhada pelo caminho errado. É preciso saber dançar muito bem e não admitir isso. É preciso pisar em pés e achar graça dessa forma de se mover que mais parece uma ciranda. Para desentender as mulheres é preciso ter olhos fechados e peito aberto. É navegar por um mundo desconhecido em busca de algo que você conhece bem. É reconhecer pernas, coxas, panturrilhas em olhos calmos ou tempestuosos. É abrir mão da realidade para viver de literatura. É preciso ser poeta e escrever personagens imaginários para cada noite bem dormida. É contar vantagem sobre uma desvantagem e rir de quando as coisas vão mal. É preciso ser louco.

    Para desentender as mulheres é preciso entender de cheiros. É necessário que seja um especialista em sensações e emoções deturpadas. É quase como obrigatório gostar do cheiro do suor delas na sua pele e se deliciar com o fato de que esse cheiro é só delas. Para desentender as mulheres é preciso conhecer Paris, Londres e o Rio de Janeiro. É preciso saber reconhecer  cada pedaço do mundo nas coisas que elas fazem. É ter certeza de alguma coisa completamente incerta e bater pé defendendo uma tese furada. É saber beber vinhos, limpar manchas, tirar roupas e deitar de conchinha sem fazer absolutamente nada. É preciso decifrar o ritmo cardíaco, interpretar a respiração pesada, medir a dilatação das pupilas – ser um pouco médico, talvez. Para desentender as mulheres é preciso ter raiva, ter força, ser um pouco egoísta e não saber lidar com algumas situações. É preciso entender de siglas, de períodos, de chocolates e de flores.

    Para desentender as mulheres é preciso decorar esse texto algumas vezes. E esquecer de tudo isso no exato momento em que puser os olhos em uma delas e descobrir que o impossível mesmo é desentendê-las.

    *Texto originalmente escrito para o blog Entre Todas As Coisas.

     


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