• Quando o Relacionamento  Vira Um Compromisso de Agenda
  • Quando o Relacionamento


    Vira Um Compromisso de Agenda


    Acordei cedo. Fiz um veloz strip-tease ao contrário, devorei um pão na chapa e tomei um pingado como quem bebe tequila, mas logo que toquei a rua, senti um revólver em minha nuca. A voz desconhecida me obrigava a entrar no carro. Sim, estava sob a mira de um ladrão – e aquilo não era pegadinha do João Kléber. Estava com medo de morrer, claro que estava. Sentia-me emputecido pela perda do meu celular novo, cujas infinitas parcelas haviam apenas começado, porém, naquele instante, um desconforto ainda maior remoía meu ser de mãos atadas: eu precisava urgentemente mandar um SMS de bom dia para minha namorada, caso contrário, a veracidade do meu amor seria posta em xeque pelo resto da semana. Depois de dois anos de namoro, ou seja, exatamente 730 mensagens de bom dia em modo automático, eu não poderia deixar esse fora da lei infringir meu estatuto de bom robô. Pensei em abrir a porta e jogar-me daquele automóvel em movimento, mas pareceu-me muito arriscado. Então, tive uma ideia e comecei um diálogo com o meliante.

    Ricardo: Será que eu poderia te pedir um pequeno favorzinho, Senhor Ladrão?

    Bandido: Fala logo mano, senão explodo seu “célebro”.

    Ricardo: Tem como emprestar o celular que acabou de roubar de mim?

    Bandido: “Cê tá loco”, maluco?

    Ricardo: É sério, é que eu mando bom dia todas as manhãs para minha namorada e se eu não mandar hoje, ela vai achar estranho, pensará que amo ela menos do que ontem, entendeu?

    Bandido: Hahahaha! Você manda mensagem pra tua mina todo dia? Nunca roubei um cara tão otário.

    Ricardo: Já sei! Não precisa nem me dar o celular, você pode fazer isso por mim. É só entrar na agenda de contatos, procurar por “Chuchuzinho”, escrever “Bom dia, coisa mais linda do mundo!” e apertar a tecla “enviar”, pode ser?

    Bandido: Você quer “matá nóis, véi”? Tem noção do quanto escrever mensagens de celular enquanto dirige pode ser perigoso? Além de perder as coisas que eu roubei, ainda quer perder cinco pontos na carteira de motorista? Esquece, perdeu boy.

    Sim, meus caros leitores. Ainda mais absurdo do que a tentativa de diálogo entre um criminoso e a vítima é viver imerso em uma relação roteirizada, na qual as falas são ditas por personagens que nem sabem mais o motivo pelo qual continuam mantendo esse ciclo de atitudes repetitivas e robóticas. Pessoas que, desde os primórdios da relação, criaram uma partida de pingue-pongue, muitas vezes insustentável, por longos períodos de tempo.

    Essa repetição automática de dizeres, já quase sem sentido, de telefonemas feitos para cumprir tabela e de outras inúmeras atitudes que transformam desejos naturais em necessidades racionais condicionam o casal a sentir um estranhamento e até a sofrer, quando por algum motivo, essas mesmices não podem ser efetuadas com sucesso. Nesses casos, é comum que haja martírio quando um simples SMS não pode ser respondido no momento do recebimento, já que desde o principio do namoro, ele sempre parou tudo que fazia para respondê-la com urgência. É comum que esses sofredores levem o celular até para beira do chuveiro, pois condicionaram a parceira a acreditar que eles sempre podem enviar uma réplica, independente da hora e do que estão fazendo.

    Muita gente acha que para se manter presente na mente do parceiro, o segredo é metralhá-lo com múltiplas mensagens, mesmo que essas sejam repetitivas e estejam totalmente desgastadas, mas esse não é o caminho para fincar a bandeira no coração do ser amado. Em muitos casos, para fazermos parte dos pensamentos daqueles que amamos, precisamos dar oportunidade a alguns períodos de ausência e, desse hiato, surgirá um desejo natural, capaz de culminar em manifestações amorosas também reais, de valor inestimável e impossíveis de serem programadas por uma máquina. Lembre-se: é mais fácil o desejo nascer da falta do que do excesso.

    Em nossa vida, possuímos tantas regras para uso diário, compromissos de caráter inabalável e rotinas aparentemente inquebráveis, portanto, não podemos deixar que o relacionamento torne-se mais um compromisso inserido em nossas agendas em estado de transbordamento.

    Desde o começo da união, só atenda ao telefone quando puder atender – e tenho certeza de que um bom parceiro entenderá a importância de uma reunião ou da sua segurança enquanto dirige. Só ligue quando sentir vontade de ligar – e tenho certeza de que um bom namorado saberá valorizar a saudade nitidamente contida em sua voz. Não faça isso ou aquilo por achar que você precisa fazer -invista energias naquilo que realmente sente vontade de fazer. Ouça um pouco mais seu instinto e dê voz ao seu impulso mais humano, e perceberá que os passos mais bonitos do amor são feitos de improviso e movidos por vontade real. Os compromissos do amor eu anoto no coração, não na agenda.

     


    " Todos os nossos conteúdos do site Casal Sem Vergonha são protegidos por copyright, o que significa que nenhum texto pode ser usado sem a permissão expressa dos criadores do site, mesmo citando a fonte. "