Sabe quando você passa os olhos em uma notícia e tem que ler duas, três vezes para acreditar? Isso acontece muito comigo e com os comentários de internet, mas desta vez se passou com um artigo que explicava um fenômeno em ascensão nos Estados Unidos (mas não só lá). É o Thigh Gap, a obsessão que as garotas por lá estão em adquirir, além de uma barriga chapada e um tamanho 34, um espaço entre as coxas.
Mulheres muito magras às vezes têm um vão entre as pernas, sabe? Por conta das coxas mais finas, cria-se um espaço ali, que algumas mulheres têm, outras não. Normal, cada um tem uma estrutura corporal, um peso, um desenho que só lhe diz respeito ou assim deveria ser. Mas a gente vive em um mundo em que o tamanho que você veste diz respeito a quem bem quiser te atacar. E eles sempre vão querer. E agora nós tomamos para nós mesmas mais uma pressão do mundo da beleza: o vão entre as coxas.
Não, aparentemente não bastam os poucos quilos, a pele perfeita, o cabelo liso e loiro, os olhos claros e amendoados, as unhas grandes e sempre pintadas, as sobrancelhas feitas, os pelos aparados, as rugas ausentes, a pele branca (não esqueçam desta, por favor), o nariz fino. Não bastam os cremes, esmaltes, maquiagens que consumimos e compramos todos os dias. Não, porque afinal de contas sempre podemos ser um pouco mais escravizadas pelo mundo. Então, que tal nos fazerem cada vez mais infelizes procurando um padrão irreal que agora dita que devemos não apenas ser magras, mas ter ainda uma porra de um vão entre as coxas? Um vão, aliás, que os médicos já estão alertando, é uma questão de estrutura óssea, e a maior parte das mulheres nunca vai conseguir alcançar.
É mais um argumento a favor daqueles que, como eu, continuam batendo infinitamente na tecla de que, não, não vivemos apenas na ditadura da saúde. O mundo não quer que sejamos mais saudáveis. Ter saúde é importantíssimo e cada um corre atrás da sua. Toda pessoa acima do peso sabe, no entanto, que é muito mais difícil cuidar da saúde física quando a mental é atacada constantemente por mensagens que teimam em mostrar para cada uma de nós o quanto nós somos insuficientes. O quanto cada esforço para se enquadrar no que querem da gente é inútil, porque sempre vão querer mais. Engraçado como uma mulher pode ser a mais bem sucedida de sua comunidade, que ela ainda vai ser xingada se não se encaixar nos padrões estéticos daquele mesmo círculo social. Além disso, o que nunca é dito é que magreza não é sinônimo de saúde. Eu bem sei, sempre fui muito mais saudável – recebo parabéns do meu médico em cada consulta – que muitos amigos bem mais leves do que eu.
Não, não existe nenhum, nenhum espaço entre as minhas coxas. E eu só vim aqui dizer que está tudo bem se não tiver um espaço entre as suas também. Nós somos bonitas, nós somos válidas, nós somos mulheres. Lindas, gostosas, carnudas e tesudas. Nós nos pegamos, pegamos outros homens, outras mulheres, gozamos e gritamos de prazer. Tanto quanto aquelas que têm um espaço entre as coxas. Depende de nós, aliás, não deixar que o mundo nos separe e nos discrimine, entre as que têm e as que não têm o tal espaço. Entra as que cabem e as que não cabem em um manequim 36. Entre as que podem e as que não podem ser felizes, porque são gordas demais pra isso. É uma busca tão vazia pela perfeição que há de se entender por que os mais infelizes são aqueles que a perseguem desenfreadamente. Conheço gente que passou a vida frustrada, afastando todos que a rodeavam. E não porque tinha quilos a mais. O motivo era um só: ela era uma pessoa insuportável. Emagreceu e, é claro, continuou a repelir possíveis relacionamentos.
O problema de se viver em um mundo que preza mais o que você parece do que o que você é está aqui: ninguém te conta que quem se liberta disso é muito mais feliz do que você.