Você já deve ter se deparado com um daqueles testes psicológicos em que alguns pontinhos no papel parecem formar um complexo desenho. Eles provam uma teoria básica: a de que nosso cérebro tem uma tendência a preencher espaços em branco usando para isso os poucos dados que recebe. É um dom muito útil, que serviu para nossa sobrevivência por eras, mas que é uma das raízes de outro procedimento padrão humano: o preconceito.
Temos a tendência de julgar os outros como um ser completo através das poucas informações que recebemos sobre eles. Então, logo, se encontramos uma pessoa vestida de determinada maneira, tendemos a presumir que ela pertence ao grupo de pessoas que se veste assim, e que também gosta de determinada música, tem determinado gosto artístico ou até mesmo orientação sexual.
É aí então que deixamos de tratar cada ser humano como o ser único e individual que ele é e começamos o ciclo do preconceito. Você é uma garota e usa camiseta xadrez, mas não é lésbica? Como assim? Você é homem, tem gestos delicados, mas sua orientação é heterossexual? Ninguém te avisou que isso é proibido? Parece absurdo, mas é assim que estamos acostumados a funcionar, fazendo ligações entre os mais abstratos dados, presumindo que uma decisão sobre o tipo de hobby que uma pessoa tem (dança, skate, bike, pintura) tem a ver com o gênero da pessoa por quem ela é atraída. Ou que essa orientação determina qualquer outra coisa que não seu parceiro sexual.
Gays não são todos liberais. E, aliás, nem héteros são conservadores. Héteros são héteros. A única premissa escondida nesta classificação é o fato de que eles se apaixonam e mantêm uma relação com pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu. Nada mais. Não sua vocação para nada, muito menos sua posição política. O mesmo vale para gênero, raça, religião. É um pouco decepcionante ter que explicar em 2014 que o fato de ser uma mulher não me obriga a seguir nenhum destino, profissão ou papel social. Eu sou livre. Todas estas escolhas são minhas, não suas para presumir quem eu sou ou quem eu deveria ser baseado em um modelo pré-concebido de vida.
É nosso papel se policiar para garantir que nosso cérebro não faça as ligações erradas, impondo aos outros nosso próprio ideal de estilo de vida ao completar os tais espaços em branco. E, do outro lado, encontrar forças pra não se deixar ser vítima desse mesmo processo. Uma das habilidades mais úteis da nossa vida moderna é ter a capacidade de se impor, de exigir respeito, de dizer: Eu não sou quem você quer que eu seja, ou quem você acha que eu deveria ser. Eu sou quem eu decidi ser, uma das atitudes mais difíceis que existem, e que envolvem escolhas diárias e constantes. É meu direito te expulsar desse processo. É meu direito que estas decisões sejam tomadas por mim e por mais ninguém. Está vendo essa plaquinha aqui que diz “Minha identidade”? Mantenha distância.