A garçonete veio buscar o prato quase cheio e perguntou com a feição verdadeiramente preocupada:
– Estava ruim, senhora?
Respondo prontamente, como se já esperasse a intervenção:
– Estava ótimo, o bolo é que não foi nada bom.
Sem bolo algum de chocolate ou baunilha no cardápio, ela entendeu, pegou o prato e se retirou.
A cada dia mais distante dos meus dramáticos 15 anos, não uso a faca do almoço para cortar os pulsos nem encharco o guardanapo de lágrimas e lápis de olho. É só uma questão de levantar, fazer cara de que ia mesmo almoçar sozinha e me retirar. Depois que saí da adolescência, nunca mais tive tempo para sentir pena de mim. Sempre que penso em como a vida é cruel, olho o relógio e já estou atrasada pra qualquer coisa. E lá se vão meus merecidos momentos de Maria do Bairro, por água a baixo. Apesar disso, reconheço o valor de se destilar a tristeza, a raiva ou o ciúme em drinks, chocolates ou coisa que o valha.
Curtir fossa, não sei se ainda usam esse termo, é (quase) um direito, (quase) constitucional, e (praticamente) inerente à vida. E quem disser o contrário merece ser ignorado. Dizer a qualquer pessoa que não vale a pena sofrer por alguém ou que pare de chorar é tão útil quanto conversar em japonês com chinchilas selvagens da Argentina. A necessidade de ritualizar o sofrimento é algo humano, aceitável e pessoal. Nós, mulheres, não somos as únicas a lidar com problemas afetivos de forma peculiar. Perguntei simultaneamente, via Facebook, a alguns amigos se eles curtiam fossa e como sofriam com términos e desencontros amorosos. Entre “rs”, piadinhas e filosofias, ficou bem claro que eles possuem um ritual próprio baseado em desvio de atenção, bebida e encontro com os amigos. Bem próximo dos nossos chocolates, filmes de comédia romântica e desabafo via telefone.
Não importa necessariamente como, exteriorizar o que se sente é, via de regra, mais saudável do que oprimir. E com chocolate ou cerveja, a fossa só tem duas leis. A primeira, é que devemos respeitar o momento dos outros. Não diminuir o valor do sofrimento alheio é uma prova de amizade e até de educação. Não é porque você não está sentindo nada que não está doendo no outro, ok? Saber ouvir sem dar opiniões pedantes de quem está numa boa é o que se espera de quem gostamos nessas horas. Em vez de “como você é idiota de chorar por esse cara”, lembre-se da sua frágil condição humana e verá que já fez belas idiotices nessa vida também. A segunda lei da fossa é sobre o limite entre saudável e o doentio. Se por um lado temos direito a decidir quem e o que merecem nossas lágrimas, é preciso ter o controle da situação. Chore, lamente, beba, coma, escreva, mas volte à vida. Nem seus amigos são obrigados a suportar sua versão depressiva eternamente, nem você mesmo deveria se subjugar a tanto. É certo que, mesmo que custe um esforço, procurar limitar o tempo de isolamento e dar continuidade aos estudos, trabalho e atividades afins, só fará bem. Toque a vida e ela continuará, sem sombra de dúvidas.
Cada um tem seu tempo e sua maneira de lidar com as emoções, mas algumas verdades são universais. Após cada noite, nasce um dia, e a intensidade do que sentimos hoje é diferente da que sentiremos amanhã. Sentimentos alimentados, bons ou ruins, acordam mais fortes. E sabe aquela frase ordinária “vai passar e você vai rir disso tudo”? Pois é, grandes chances de se concretizar. Então curte aí, com brigadeiro, cerveja ou trilha sonora do Leandro e Leonardo. Mas por fim, vire a página. Corações ancorados não veem o mar.