A gente aprende o que é o amor antes mesmo de ter um coração para servir de morada para um monte de sentimento bonito que se abrigaria ali. Aprende a dividir, a retribuir, a respeitar os limites do outro, antes mesmo de entender o que significa reciprocidade. Somos amados, ansiados, protegidos, antes até que se consiga perceber a importância de uma cantiga de ninar antes de dormir. Uma vez eu perguntei àquela moça bonita através de um olhar atravessado do berço como deveria chamá-la e, antes que eu conseguisse balbuciar que estava com fome, sede, dor, sono, eu compreendi que pelo resto da minha vida deveria chamar a pessoa responsável por todo o meu crescimento pessoal e humano de mãe.
Aquela mãe era minha, com cabelos encaracolados e olhos cor de jabuticaba desabrochando, mas com o tempo eu aprendi que cada pessoa tem a mãe que precisa para guiá-lo ao longo de sua travessia individual. Tem aquela que esperou nove longos meses para dizer ao mundo que você tinha o narizinho dela e a covinha na bochecha do seu pai. Ela que emprestou seu corpo para que fizesse de aconchego durante o tempo que fosse necessário para o jardim florescer, sem cobrar nenhum tipo de pedágio ou imposto sobre apropriação do terreno fértil alheio. Encarou mudanças drásticas nos contornos corporais conquistados com tanto esforço, travou batalhas dolorosas contra hormônios descontrolados e suportou dores, enjoos, náuseas, como se fossem as sensações mais reconfortantes do mundo inteiro. Ela chorou quando você deu o primeiro grande grito de liberdade ao ser fisicamente separado do corpo dela, porque sabia que independente de qualquer coisa, ali estava selado um acordo de parceria eterna que obstáculo nenhum seria capaz de destituir.
Tem ainda a mãe que não teve a sorte de carregar no ventre o filho que chamaria de seu e que foi convidada a ser morada de um sentimento único e transformador por um ser humano desconhecido que até então só fazia parte dos seus melhores pensamentos. A mãe que escolheu e foi escolhida pela vivência de outro alguém. Ela que viu sua alma florir em primavera por um pedaço da sua essência que simplesmente não havia sido moldado pela sua biologia, mas que cabia certinho na cama delicadamente ornada com amor que seu coração havia preparado. Ela que curou com muito mais do que band-aids e antissépticos, feridas que você ainda nem fazia ideia de que existiam dentro da sua jornada. Ela que literalmente te escolheu dentre as milhares de pessoas no mundo para chamá-lo de filho e te permitiu neste mesmo enredo a honra de chamá-la de mãe.
Mãe é quem cuida. Quem deixa de comer para alimentar a cria e tem seu sono roubado para que ao menos a melhor metade dela possa ter uma noite de sonhos tranquila. Mãe é aquela que diz não com o maior pesar do universo a todas as suas crises sociais, existenciais e comportamentais, na tentativa de demonstrar que a vida não pára frente aos nossos delírios pessoais. Aquela que liga no meio do dia só pra perguntar se você almoçou, que fica acordada até a hora de você chegar da balada, que conta casos constrangedores sobre a sua infância em público e que limpa com cuspe a boca lambuzada de sorvete de chocolate na frente do seu namorado. Mãe é aquela que fica, quando o resto do mundo já foi embora. Toda vez que encontro meu frango com batatas preferido em cima do fogão após um dia cansativo de trabalho eu me lembro que o amor dela por mim é o maior do mundo todo. Ele não barganha, não enaltece, não subestima, não espera nada em troca. Pelo contrário, é um sentimento que floresce de graça desde quando a gente ainda nem desconfiava o quão difícil era conjugar o verbo sentir.
Mãe deveria ser eterna do tamanho do sentimento da gente. Acontece que elas não foram feitas para peregrinar com os nossos pés, mas sim para apontar o caminho e então ceder todas as rédeas. Quando o universo pede, o cordão umbilical é definitivamente cortado e talvez somente aí a gente compreenda de verdade a falta que aquele alicerce faz na nossa travessia. À minha mãe e a todas as mães espalhadas pelo mundo, presentes, ausentes, de ventre, de coração, de escolha, acaso ou sorte, eu só tenho a dizer muito obrigada. Em especial à minha por sua permanência em mim sob a forma de respeito, humildade e maturidade. Antes mesmo de chamá-la de mãe, ela já pronunciava a palavra filha como se fosse a mais doce melodia orquestrada por todo aquele amor que se aninhava dentro dela. A gente peca em não dizer tanto, mas no fundo elas sabem: é amor, é incondicional e é para sempre.