Cê abre uma fresta na janela de propósito. Ri enquanto me acorda sem piedade, com uma malícia digna de você. Ri, se delicia e leva as unhas à boca pra abafar com desdém uma risada solta que o meu espanto revelado proporciona. Cê ri e veste a minha camisa – a cena pausa.
Você joga o quadril pra direita e mostra uma pinta discreta na cintura que fica quase oculta pela calcinha. Bate um pouco de luz na ponta do bumbum e você estremece com o contato quente na pele. Se contorce um pouco e sente os seios se eriçarem pelo contraste entre o frio do ar-condicionado e o calor do sol. Pega uma camisa social de botão que eu tinha deixado na ponta do sofá e se reinventa, faz DIY de mim, me veste como look do dia. Cê caminha até a porta – e tudo parece caminhar em câmera lenta junto contigo, minha respiração tá suspensa, pausada, sinto como se tivesse preso antes de desabar num suspiro pesado e sorrir pra você.
Cê tem uma pressa canalha de conferir a correspondência, o jornal do dia, as revistas todas que você nunca vai estampar. Enquanto você lê a Vogue que acabou de chegar por debaixo da porta e segue em direção ao espelho, eu já prevejo a bobeira que você vai fazer. Vai comparar, sempre compara, o teu corpo-perfeito-paraíso-
Cê tá errada.
Te pauso por um instante e congelo a frustração. Levanto da cama e te observo com uma página da revista sendo virada no ar. Eu gosto de você com esse cabelo de quem não desgrudou de mim a noite toda, essa coisa bagunçada em furacão, essas ondulações fugindo do liso batido que te dão um ar selvagem, quase nocivo, que combina bem com a malícia das suas unhas pintadas de preto ou café – que me arranham e me seguram. Gosto do seu nariz irregular que dá destaque pra sua boca, o olho do furacão, o centro de tudo-vermelho-sangue, prazer. Você tem uma mecha loira caindo no meio da testa, a perna esquerda tá arqueada num ângulo que deixa sua coxa destacada enquanto a outra perna dá base numa cadeira antiga. O seio esquerdo quase escapa da minha camisa semi-abotoada e você tem pintas no colo que nenhum brush tool teria a audácia de apagar. Beijo seus ombros e devo ser meio estranho por achar que você exalada sensualidade, divindade ou qualquer uma dessas palavras bonitas que inventam pra gente dar nome ao que não tem nome por deixá-los de fora. Beijo os ombros e uso os dedos pra caminhar com cócegas até a barriga, o contorno da cintura, o seu desespero em me deixar tocar o manequim maior que 40. Pra não citar os teus olhos de quem me devoraria se pudesse –e devora. Envolvo os dois braços e me encaixo, te sinto pulsando – de raiva ou afeto –, e ainda não entendi seu problema em achar que precisa de cintas, vestidos modeladores, comer alface, morar na academia, seguir as 20 dicas de como ter o corpo da Grazi Massafera ainda nessa vida e por aí vai.
Digo isso tudo e sou jogado pra última página do editorial. Como você queria se parecer com uma versão melhoradas e cheias de layers da Angelina Jolie, você diz. Me fala que eu não entendo nada e que as revistas estão ali pra te mostrar um mundo em que você não vai entrar. Meu bem, elas só querem fazer com que você se sinta feia e não se enxergue no espelho. Não deixam você ver como fica linda com a minha camiseta e fora dela, sendo uma mulher real que não estampa comerciais de margarina na TV. Não te deixam sorrir e congelam em páginas glaumurizadas em verniz umas estátuas gregas, anunciando tragédias femininas, que não consideram como você é bonita sem maquiagem, sem cabelo feito, sem 2h de atraso pra escolher o vestido e tudo mais.
Eu queria poder modificar a cena e fazê-la se enxergar da forma que eu enxergo. Te livrar da frustração e mostrar como cada centímetro de você é perfeito pra mim. Cê baixa a cabeça e clama, envergonhada, que eu não te entendo. Mal sabe você que você é linda de qualquer maneira e que as revistas é que não sabem de nada. Tiro a Vogue, a Elle, o raio que o parta das suas mãos e atiro longe. Te mostro estampado na cara o meu sorriso e como ele é teu espelho e como nenhuma delas tem o que você tem. Então eu ponho Goddess da Banks como trilha sonora da gente e começo a declamar baixinho no seu ouvido a parte que acho que ela escreveu pra ti. “Ela é uma deusa, você precisa vê-la”. E eu vejo diariamente, as revistas que você lê é que nâo vêem.