• Você é linda (e as revistas de  beleza não sabem de nada)
  • Você é linda (e as revistas de


    beleza não sabem de nada)


    Cê abre uma fresta na janela de propósito. Ri enquanto me acorda sem piedade, com uma malícia digna de você. Ri, se delicia e leva as unhas à boca pra abafar com desdém uma risada solta que o meu espanto revelado proporciona. Cê ri e veste a minha camisa – a cena pausa.

    Você joga o quadril pra direita e mostra uma pinta discreta na cintura que fica quase oculta pela calcinha. Bate um pouco de luz na ponta do bumbum e você estremece com o contato quente na pele. Se contorce um pouco e sente os seios se eriçarem pelo contraste entre o frio do ar-condicionado e o calor do sol. Pega uma camisa social de botão que eu tinha deixado na ponta do sofá e se reinventa, faz DIY de mim, me veste como look do dia. Cê caminha até a porta – e tudo parece caminhar em câmera lenta junto contigo, minha respiração tá suspensa, pausada, sinto como se tivesse preso antes de desabar num suspiro pesado e sorrir pra você.

    Cê tem uma pressa canalha de conferir a correspondência, o jornal do dia, as revistas todas que você nunca vai estampar. Enquanto você lê a Vogue que acabou de chegar por debaixo da porta e segue em direção ao espelho, eu já prevejo a bobeira que você vai fazer. Vai comparar, sempre compara, o teu corpo-perfeito-paraíso-escondido-em-mim com as Giselles, as Adrianas, as Isabelis, as Naomis e até as Kardashians – que não passam de versões americanizadas das mulheres-frutas daqui. Você compara e racha ao meio, bate uma dorzinha no peito que eu vejo de longe, bate aquela coisa de que você nunca vai ser como elas, de que você nunca vai ser bonita a la Photoshop, de que esqueceram de te editar e configurar a luz do estúdio quando você acordou com o cabelo despenteado.

    Cê tá errada.

    Te pauso por um instante e congelo a frustração. Levanto da cama e te observo com uma página da revista sendo virada no ar. Eu gosto de você com esse cabelo de quem não desgrudou de mim a noite toda, essa coisa bagunçada em furacão, essas ondulações fugindo do liso batido que te dão um ar selvagem, quase nocivo, que combina bem com a malícia das suas unhas pintadas de preto ou café – que me arranham e me seguram. Gosto do seu nariz irregular que dá destaque pra sua boca, o olho do furacão, o centro de tudo-vermelho-sangue, prazer. Você tem uma mecha loira caindo no meio da testa, a perna esquerda tá arqueada num ângulo que deixa sua coxa destacada enquanto a outra perna dá base numa cadeira antiga. O seio esquerdo quase escapa da minha camisa semi-abotoada e você tem pintas no colo que nenhum brush tool teria a audácia de apagar. Beijo seus ombros e devo ser meio estranho por achar que você exalada sensualidade, divindade ou qualquer uma dessas palavras bonitas que inventam pra gente dar nome ao que não tem nome por deixá-los de fora. Beijo os ombros e uso os dedos pra caminhar com cócegas até a barriga, o contorno da cintura, o seu desespero em me deixar tocar o manequim maior que 40. Pra não citar os teus olhos de quem me devoraria se pudesse –e devora. Envolvo os dois braços e me encaixo, te sinto pulsando – de raiva ou afeto –, e ainda não entendi seu problema em achar que precisa de cintas, vestidos modeladores, comer alface, morar na academia, seguir as 20 dicas de como ter o corpo da Grazi Massafera ainda nessa vida e por aí vai.

    Digo isso tudo e sou jogado pra última página do editorial. Como você queria se parecer com uma versão melhoradas e cheias de layers da Angelina Jolie, você diz. Me fala que eu não entendo nada e que as revistas estão ali pra te mostrar um mundo em que você não vai entrar. Meu bem, elas só querem fazer com que você se sinta feia e não se enxergue no espelho. Não deixam você ver como fica linda com a minha camiseta e fora dela, sendo uma mulher real que não estampa comerciais de margarina na TV. Não te deixam sorrir e congelam em páginas glaumurizadas em verniz umas estátuas gregas, anunciando tragédias femininas, que não consideram como você é bonita sem maquiagem, sem cabelo feito, sem 2h de atraso pra escolher o vestido e tudo mais.

    Eu queria poder modificar a cena e fazê-la se enxergar da forma que eu enxergo. Te livrar da frustração e mostrar como cada centímetro de você é perfeito pra mim. Cê baixa a cabeça e clama, envergonhada, que eu não te entendo. Mal sabe você que você é linda de qualquer maneira e que as revistas é que não sabem de nada. Tiro a Vogue, a Elle, o raio que o parta das suas mãos e atiro longe. Te mostro estampado na cara o meu sorriso e como ele é teu espelho e como nenhuma delas tem o que você tem. Então eu ponho Goddess da Banks como trilha sonora da gente e começo a declamar baixinho no seu ouvido a parte que acho que ela escreveu pra ti. “Ela é uma deusa, você precisa vê-la”. E eu vejo diariamente, as revistas que você lê é que nâo vêem.


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