• Só gente chata nunca abre exceções
  • Só gente chata nunca abre exceções


    Quer mesmo saber o que eu acho daquelas pessoas que NUNCA abrem exceções? Um porre. Aliás, em minha opinião, um porre (de qualquer espécie) é bem mais legal do que gente que nunca sai da linha, e que – nem mesmo para agradar a avó coruja – aceita uma lasquinha do bolo recém-parido pelo forno.

    – Não, vó. Eu não vou experimentar.

    – Come só um pedacinho, vai. Só para me deixar feliz!

    – Não, vó. Eu quero secar.

    – Secar? Mas eu pensei que você gostasse da massa mais molhadinha…

    – Não, vó. Eu quero secar a gordura da barriga!

    – Mas eu fiz o de cenoura especialmente pra você. É o que você mais gosta, não é?

    – Não adianta. Eu não vou comer.

    Você conhece alguma pessoa assim? Eu conheço. Tenho um amigo que, nem no dia do aniversário da namorada, aceitou leva-la a um show da dupla Zezé Di Camargo & Luciano. Ela insistiu, insistiu e insistiu, mas ele – o irredutível – disse que odeia música sertaneja e que não iria, nem amarrado ou morto. Custava ter aberto uma exceção? E daí que a praia dele é rock? Ela não pediu para ele tatuar o rosto do Zezé na nádega direita, colocar uma calça que espreme os testículos e atear fogo nos vinis do Led Zeppelin. Ela só queria – apenas por uma noite – que ele fizesse algo diferente, saísse um pouco da caixa e realizasse uma vontade só dela. Acha que eles ainda estão juntos? Claro que não.

    Quer mais um exemplo bizarro – e real – de seres que, por nunca abrirem exceções, acabam aumentando os coeficientes de chatice da vida alheia? Na época em que o Orkut ainda bombava e que os testimonials eram sinônimos de popularidade, um amigo (do tipo colega) me convidou para passar um Réveillon em Floripa. Não conhecia o cara muito bem, mas, por não querer ficar em Sampa, acabei topando. E me fodendo nas mãos da chatice do cidadão mais imutável que conheci. Logo na primeira noite eu descobri que o cara não comia carboidratos depois das 19h00. Nem às 19h01. Nem nas férias. Nem se o avião dele caísse em uma área remota da selva amazônica. Ou seja: sempre que eu sugeria uma pizzaria ou um restaurante de comida italiana, ele respondia a mesmíssima coisa: “Vamos num japa, cara, aí eu mando uns sashimis”. No começo, eu até tentei convencê-lo a pisar em uma pizzaria, ao menos para me fazer companhia, porém, lá pelo terceiro dia, percebi que isso nunca aconteceria. E acabei tostando quase toda a minha grana em peixe cru. E não parou por aí! Eu passei quase viagem toda tentando persuadir o maluco a ir, comigo, a um bar que uma amiga havia me recomendado. Mas o cara só queria ir a baladas! Baladinha pra lá. Baladinha pra cá. Até que, no quinto dia de trip, quando eu já estava cheirando à pista de dança e prestes a me transformar em um sashimi gigante, eu entendi que abrir exceções é um requisito ESSENCIAL para qualquer um que deseja conviver, harmonicamente, com outras pessoas.

    Viver em uma sociedade composta por diversidade como a nossa, irmão, cedo ou tarde exigirá que você abra algumas exceções, mesmo que poucas e raras. E se não abri-las, nunca, será visto como um ser egoísta, o que não será uma mentira. Não tem jeito. A menos que você opte por viver isolado no topo de uma montanha, não conseguirá driblar a necessidade de ceder. E se você não está disposto a abrir mão – nem por um segundo e pelo bem do outro – das suas regras intransponíveis e vontades invioláveis, ficará sempre limitado a se relacionar apenas com tribos cujos hábitos são idênticos aos seus – o que, a meu ver, é uma ótima maneira de enfiar a cabeça na terra, e um cenário extremamente difícil de ser mantido por longos períodos de tempo.

    Dizer “não” para tudo é a receita ideal para aquele que deseja se autocondenar à eterna carreira solo. Não estou incentivando você a topar todos os convites e bizarrices que propuserem, porque aí também não dá. Apenas, de vez em quando (em dias primos?), permita que a vontade da sua namorada sobreponha a sua, e esqueça – só um pouquinho – os imperceptíveis milímetros de circunferência abdominal que você ganhará caso aceite experimentar o nhoque dela. Ceda, um pouco, à sede do outro. Eu sei que você disse que não beberia mais em dias de semana, mas qual o problema de tomar uma taça – uma só! – para fazer parte do brinde? Um golinho não matará você, mas, certamente, deixará a aniversariante muito mais feliz.

    Eu sei que você tem um objetivo rígido, mas será que só conseguirá alcançá-lo caso o mundo todo faça a sua vontade, e você – nem em pensamento – aceite realizar os mínimos desejos do mundo? Será mesmo que, qualquer exceção (mesmo a menor delas, tipo um brigadeiro fora de época), afastará você completamente de suas metas? Pense bem. E se, para as duas perguntas anteriores, a sua resposta for “sim”: pense melhor ainda. Pois se o seu desejo individual exigir que você se negue – completamente e por infindáveis períodos de tempo – todos os desejos dos que estão ao ser redor, você está correndo sérios riscos de ser suportado apenas pelo seu umbigo. E olhe lá.

    E saiba que abrir uma exceção, apesar de parecer uma violação, pode ser bom. Pode ser muito bom! Pode ser?

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