Eu queria que ela soubesse que eu saía com o cachorro pra dar um pulo na rua só pra ela não precisar fazer isso, descansar um pouco do trabalho e ter um tempo só dela. Queria que ela tivesse percebido que eu organizava a casa com jasmin e lavanda pra não atacar a alergia dela com algum cheiro muito forte. Queria que ela soubesse que não era do brocólis de terça que eu gostava, mas da empolgação dela em me ver mais saudável. Queria que ela risse de novo como ria quando eu fazia cara feia.
Queria ter dito que eu passei frio em setembro, mas não liguei muito. Eu gostava de como ela roubava a coberta e me roubava também. Não disse que lembrei dela quando a gente deu um tempo porque, bem, eu ainda não sabia se ela gostava mesmo de Chico. É que o meu corpo combinava com o dela, e eu sinto falta.
Queria que ela soubesse que eu me irritava quando me pedia pra apagar o cigarro. Era meu único vício além dela, talvez fossem ciúmes, talvez ela só quisesse me ver bem mesmo. Queria ter dito tudo o que eu não dizia quando subia engasgado de raiva no elevador e, pensando bem, talvez tenha sido bom não dizer. Talvez seja bom não dizer algumas coisas que podem ferir quem a gente ama a troco de nada.
Queria ter gritado naquele rooftop o quanto eu me sentia diferente porque ela me olhava de um jeito todo terno, como se eu fosse o menino grande que apareceu abobalhado na vida dela e ela resolveu ter paciência pra ficar junto. Que eu aprendi a ouvir jazz e a escolher vinhos pra acompanhar a massa de sexta. Que eu nunca liguei pros quilinhos a mais que eu ganhava porque a gente não reclama das coisas que fazem a gente feliz. Queria ter dito que ela ficava mais bonita ainda quando usava vestidos, mas eu só reclamava do atraso e do trânsito. Queria ter reclamado menos (ou nem reclamado).
Hoje em dia eu releio as cartas que escrevi pra ela e nunca entreguei. Fico algumas boas horas no piano me lembrando das composições, da forma como eu a via dançando, do jeito que eu queria ter conduzido a coisa toda num jantar a luz de velas, mas não deu.
Faltou tempo, faltou eu. Faltou ter falado um monte de coisas que a gente só quer falar quando perde. Faltou ar também.
Queria ter dito que foi amor, foi amor o tempo todo. Foi amor quando eu pedi pra ela me abraçar no meio da noite porque eu tenho medo de trovões, foi amor no show do Paul quando eu cantarolei All My Loving abraçado com ela. Foi amor quando eu pedi uma dose extra de cobertura de chocolate na pizza, e foi amor quando eu achava que o melhor lugar do mundo era o colo dela. Foi amor e eu não disse, mas queria que ela soubesse de um monte de coisas que não sabe mais.
Eu queria que ela soubesse que eu parei de fumar. Mas ela não vai saber disso também.
