Olharam-se cúmplices e amorosos, como se fosse a primeira vez. O brilho no olhar, agora embargado em despedidas e lágrimas, calava seco a dor daquele adeus. As mãos ainda desfeitas do abraço não negavam: ali, não faltou amor. Pelo contrário, existia uma vontade enorme de querer ficar e virar confete, flor, abrigo e borboleta naquele aconchego. Mas não dava. Entre idas e vindas, chegadas e partidas, reticências e pontos finais, a vida aconteceu e os caminhos tiveram de seguir solitários seus rumos dolorosos. Aí um ficou daqui, o outro dali, ambos sem saber muito bem o que fazer com aquele vazio tão tenramente habitado. Amor, felizmente, não é garrafa descartável que o gari recolhe, despreza, recicla, e se compra outra no supermercado da esquina. Parcerias felizes a gente guarda debaixo do travesseiro, que é para se ter a certeza de que sonhos igualmente fortuitos nos visitarão no futuro.
No meio da dor de um adeus, a gente pega a solidão e dança. Deixa a valsa guiar sozinha o caminho daquele vazio e encontrar suas próprias vertentes para renascer, límpido e refeito, sob a forma de outro tipo de amor: a amizade. Porque não faz sentido nenhum transformar o amor em ódio simplesmente para facilitar o desapego. Na grande maioria das vezes, ironicamente, os relacionamentos não terminam por falta de sentimento. O amor move montanhas sim, seja ele o amor próprio ou o amor pelo outro. Quando o equilíbrio se perde, quando um começa a se sobressair mais do que o outro, é aí sim que a parceria desanda. Não é culpa de ninguém, ou talvez até seja do maldito timing. Mas isso não pode, nem deve interferir em toda a bagagem de histórias e memórias que o casal vem somatizando juntos. Amor é amor, seja no início ou no fim.
Nem tudo nessa vida precisa ser tão cheio de mágoas, rancores e cicatrizes. Quando os términos são saudáveis (e eles sempre deveriam ser assim), não existe nada melhor do que pegar aquele momento tão frágil e sensível do coração da gente e se livrar também dos pesares. Desocupar mesmo os espaços esburacados no meio das feridas, para que o sentimento remanescente que ficou se expanda e se transforme em algo muito maior. Não estou dizendo para ligar no dia seguinte para o ex-namorado (a), convidar para tomar um porre e já listá-lo como a companhia preferida para a balada. Óbvio que cada pessoa precisa do seu tempo para reavaliar a situação e colocar as prateleiras no lugar. Reaprender a olhar para o outro é talvez uma das coisas mais difíceis da vida, ainda mais quando existe amor. O que a gente não pode é mascarar a figura do outro como vilão ou bandido da história, simplesmente para facilitar o processo de cura.
Pensa bem, até ontem ele era o cara mais sensacional do mundo, ela era a menina mais inteligente e sensata da história, vocês faziam planos em conjunto, riam das mesmas piadas e tornavam o mundo do outro um lugar melhor e mais agradável de se viver. Então porque agora, que o status de relacionamento mudou, o outro passou de um encontro para um erro?! Nem tudo precisa terminar em amizade se isso for pressionar demais a memória do “nós” na travessia da gente. Porém, nem tudo precisa ser um completo e infindável adeus. Inclusive, quando a gente entende a separação no todo, sem inferiorizar o papel do outro, muito menos subjugar tudo o que passaram numa falsa tentativa de superação, fica muito mais fácil sacodir a poeira e dar a volta por cima.
Amor é amor, seja ele desabrochado em paixão, em amizade, em bem querer, ou apenas naquela cosquinha do lado esquerdo do peito que explode em sorrisos cada vez que a palavra parceria atravessa o nosso caminho. Poder recordar com carinho de alguém que cruzou a nossa vivência e deixou requintes de delicadeza e amabilidade tão gostosos, é um daqueles pequenos prazeres da vida que nos fazem entender o porquê vale a pena continuar se relacionando. Não dá para apagar a pessoa da nossa vida da noite para o dia. Fato. E nem deveríamos. Então, que a gente se lembre sempre com zelo e cuidado de tudo aquilo que nos fez permanecer durante todo o tempo ao longo dessa travessia. Consciência tranquila e coração em paz abreviam, e muito, o processo de luto. Que o passado seja sempre uma estante de serenidade e abrigo ao invés de um porta-retrato empoeirado de amargas cicatrizes, e que o amor seja sempre amor. Ontem, hoje e sempre. Na paixão, na amizade, na ternura. Amém.