• Uma angústia chamada saudade
  • Uma angústia chamada saudade


    Saudade tem cor, cheiro, sabor e se a gente fecha os olhos consegue até sentir a textura do sentimento. Um aperto no peito por pessoas que não são mais presentes, histórias que não permaneceram, sentimentos que se foram, amizades que se mudaram de casa, romances que não vingaram ou amores que nunca existiram. Saudade dói quase tanto quanto um pontapé com o dedinho do pé na beirada da porta. Lateja, inviabiliza, deixa estática a travessia que ficou para trás. Porque quem vai se movimenta, se adianta para a vida, busca por livre arbítrio outros caminhos que o fazem feliz. Quem fica amarga o adeus, engole seco a despedida, aceita por necessidade a distância, e guarda o carinho em um cantinho escuro e apertado do coração, protegido das mágoas, dos desesperos, dos descaminhos.

    Pode ser daquele amigo que se mudou para a Alemanha e deixou o jazz das sextas-feiras na praça central da cidade um pouco mais solitário. Do namorado que se mudou de país para alcançar o sonho do emprego novo. Da família que mora distante enquanto você termina sua faculdade em uma universidade da capital. Daquele rolo que não vingou mais do que duas semanas, mas deixou na boca um beijo gostoso de afeto bem dado, abraço apertado, e amasso no portão. Saudade do amor zeloso que poderia ter sido infinito. Das viagens pela Europa, dos domingos de filme no sofá, do casamento rodeado de amigos que só ficou mesmo nos devaneios embriagados entre um vinho e outro num sábado qualquer.

    Saudade não tem hora, não tem lugar, não tem perdão. Quando ela chega não bate, desmorona todas as estruturas. Muitas vezes aquela autoestima, aquela confiança, aquela resiliência que pode ter demorado anos para ser reerguida desaparece num breve espaço de um segundo. A gente fica frágil, desamparado, carente. Fácil seria se o desejo fosse de sorvete, broa de fubá, café quentinho, ou até de jamelão. Acontece que a saudade cobiça grande e ela não aceita nada mais, nada menos do que uma reviravolta do destino. Uma mudança de planos, um desvio de rota, uma tormenta dessas inquietas que coloca até o sentimento mais atordoado em seu devido lugar. E isso, meus amigos, não depende muito da gente. Na maioria das vezes está nos braços do livre arbítrio do outro, sua força de vontade, e do destino, o impiedoso e sarcástico, acaso afortunado.

    Não existem remédios, vacinas, muito menos tratamento profilático para essa ansiedade. A angústia da saudade foi feita para ser saboreada até o fim, até o último fio de amargor estalar o seu azedume em cada canto adocicado da boca. Que é para no exato momento em que ela se despedir da nostalgia, restar apenas àquela sensação de vida anestesiada, sentimento estagnado e coração apertado, somente a espera de uma nova alegria para esgotar completamente a dor daquele adeus. A solução é se deixar sentir, permitir que os olhos fiquem marejados de lembranças, e o abraço se entristeça na lembrança daquilo que um dia foi lindo e eterno, e talvez hoje, não ostente o mesmo semblante da infinidade. Porque um dia passa. Aliás, geralmente a saudade bate apenas por uns breves segundos, depois retorna ao seu estado original, de fruto que caiu maduro e se tornou adubo para que raízes de novos sentimentos se tornem árvores estrondosas. A angústia cede lugar à calmaria, e aquilo que antes doía feito tombo de bicicleta, enternece.

    Se a saudade for palpável, tangível e morar pertinho de você corra para pegar um metrô, um carro, um trem, um disco voador. Não espera ela ir embora, o personagem mudar de abrigo, a grana cair do céu ou sobrar o tão impraticável tempo na rotina mais do que agitada. Aparece lá às seis da tarde de uma quinta-feira qualquer, ligue para escutar a voz dela depois de um dia complicado, mande aquela carta que está pela metade escondida na sua estante, envie a mensagem, pegue o primeiro avião rumo à felicidade. Agora se o sentimento se encontra afastado, dessas distâncias que nem o perdão ou a imaginação são capazes de transpor, respira fundo, devora o orgulho, aquieta esse coração, que nada como um dia após o outro para colocar todas as histórias no lugar. Acho que a pior saudade é de quem a gente era antes de se deixar cativar pelo amor. Então, se eu puder dar um conselho a você que agora me lê, seria: não se perca. Seja capaz de se encontrar mesmo na mais ardente das lembranças. Se não souber por onde começar, bata na porta de quem se permitiu metamorfosear ao seu lado. Seja no outro um pedacinho de amor atemporal.

    A delicadeza da saudade é justamente isso, ela nos mantém vivo e presente em lugares aparentemente inabitáveis. Bonito é assim, flor que nasce no meio do concreto. Nada mais reconfortante do que um sentimento que sobrevive aos resquícios do tempo sem um pingo de cuidados. É assim que se sabe: definitivamente, essa saudade tem perfume de amor.

    danielle


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